ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Fazendo o diabo: o horror e o espectro da aids em "Espelho de carne" |
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Autor | Henrique Rodrigues Marques |
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Resumo Expandido | Adaptação da peça teatral homônima do dramaturgo Vicente Pereira, "Espelho de carne" dirigido por Antonio Carlos Fontoura, fez sua estreia no Festival de Gramado de 1984 e foi lançado comercialmente no circuito nacional no ano seguinte. Malgrado originalmente divulgado como um "drama erótico", atualmente o filme é amplamente reconhecido como um exemplar do "horror clássico" (CÁNEPA, 2008, p. 242) brasileiro. Na trama, um homem (Dennis Carvalho) decide presentear sua esposa (Hileana Menezes) com um espelho adquirido em um leilão e que, até então, servia de decoração para um infame bordel carioca chamado “Palácio dos Prazeres”. No apartamento do jovem casal burguês, o espelho é alocado no quarto, onde ele é apresentado a um outro casal de amigos (Daniel Filho e Joana Fomm) e a uma vizinha divorciada (Maria Zilda Bethlem). Pouco a pouco, a presença do objeto vai sobrenaturalmente modificando o cotidiano e o comportamento das cinco personagens, que vão de um domesticado jogo de cartas acompanhado de drinks elegantes, para aventuras sexuais cada vez mais pervertidas e a experimentação com drogas cada vez mais insólitas. Uma espiral crescente de liberação sexual representada em atmosfera tétrica. A produção do filme acontece em menos de dois anos após os primeiros diagnósticos de aids feitos no Brasil, detectados pela dermatologista Valéria Petri (PERLONGHER, 1987, p. 50), e seu lançamento coincide com o ano da morte de Roberto Galizia, evento que, segundo Perlongher, representa um ponto de virada na cobertura midiática e na atenção pública que a doença receberia na segunda metade da década de 1980 no país. Originalmente cunhada pela mídia da época como "a peste gay", o surgimento da aids foi responsável por uma onda crescente no discurso público da doença enquanto punição moral para a promiscuidade sexual. Como nota Susan Sontag, o comportamento que produz o risco da aids é socialmente julgado como imprudência e delinquência. "A transmissão sexual da doença, encarada pela maioria das pessoas como uma calamidade da qual a própria vítima é culpada, é mais censurada do que a de outras — particularmente porque a aids é vista como uma doença causada não apenas pelos excessos sexuais, mas também pela perversão sexual" (SONTAG, 2007). Neste contexto, é notável que os personagens de "Espelho de carne", influenciados pelas forças demoníacas do espelho, abandonam o idílio heteronormativo para explorar o universo de certa sexualidade dissidente, particularmente associada ao estilo de vida gay masculino e promíscuo: sodomia, orgias, troca de parceiros, consumo de poppers, práticas BDSM, sexo anônimo e casual. Ao mesmo tempo em que o grupo teme os perigos deste novo estilo de vida, todos demonstram um forte fascínio e desejo por esses prazeres abjetos. Como reconhece Andrea Ormond (2008) em sua crítica da obra, o diabo é a metáfora: da culpa, do moralismo e da descoberta da própria aids enquanto mazela disseminada. É importante notar que, como nos lembra Cánepa (2009), "Espelho de carne" se alinha a uma certa tradição do cinema erótico brasileiro desde o período pré-pornochanchada que mescla monstruosidade e sexualidade, utilizando elementos do subgênero exploitation para representar os perigos do sexo e da abjeção. Reconhecendo o caminho trilhado por pesquisadores do cinema de horror brasileiro, que tem em Cánepa sua principal expoente, este trabalho propõe uma continuidade e filiação com esta produção teórica. Na mesma medida, nos apropriamos de pesquisas estrangeiras que refletem sobre o discurso do hiv/aids no cinema a partir das noções de monstruosidade e alteridade — Harry Benshoff (1997), Edward Guerrero (1990), Ernest Mathijs (2003) — para inserir "Espelho de carne" dentro de um determinado contexto político-social que confere ao filme novas camadas de leitura. Desta maneira, propomos uma análise fílmica da obra de Fontoura pensando sua trama, temas e estéticas enquanto metáforas da aids e do pânico moral ao seu redor. |
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Bibliografia | BENSHOFF, Harry M. Monsters in the closet: Homosexuality and the horror film. Manchester: Manchester University Press, 1997. |