ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | A Grande Vedete (1958): Watson Macedo sob o signo de Oscar Wilde |
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Autor | JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR |
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Resumo Expandido | Em dado momento de A Grande Vedete (Watson Macedo, 1958), uma espécie de pastiche de Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), Ambrósio (Catalano) sugere à envelhecida vedete Jeanette (Dercy Gonçalves), nossa Norma Desmond abrasileirada, uma ideia de número musical extravagante para salvar seu atual espetáculo da falência: em “A Sedução das Serpentes”, em meio a trinta bailarinas seminuas, Jeanette representaria a virtude contra as tentações, representadas por cobras vivas no palco. Jeanette se encanta com a proposta de reencenação do mito edênico. Na cena seguinte, o Teatro Municipal está lotado para assistir àquele novo número. Ao som da versão instrumental da canção “Salomé”, de Mário Mascarenhas, Jeanette começa a dançar uma desengonçada Dança dos Sete Véus perante seus súditos… até que o domador de serpentes, nos bastidores, perde o controle de suas perigosas víboras, que se espalham rapidamente pelo palco, tornando tudo um verdadeiro pandemônio. Músicos, dançarinos e plateia, amedrontados, batem em retirada, e Jeanette tenta se resguardar em seu flamejante trono no alto das escadas, mas não percebe que uma das peçonhentas estava justamente ali: ao sentar-se, a vedete acaba recebendo uma inesperada mordida nas nádegas. As plateias da época - em especial, as cariocas - provavelmente reconheceram essa fracassada performance como uma evidente sátira dos espetáculos da naturista Luz del Fuego e seus ofídios, e também como uma versão às avessas da polêmica Dança dos Sete Véus performada pela vedete adolescente Conchita Mascarenhas, numa inversão etária que provavelmente motivou o riso dos espectadores. Mas, para além dessas referências mais imediatas ao teatro de revista daquele tempo, que outras podem vir à tona a partir de uma perspectiva queer da obra de Watson Macedo, um cineasta homossexual no armário? Nesta apresentação, proponho uma releitura queer de A Grande Vedete sob o signo de Oscar Wilde. A figura da Salomé wildeana, geralmente atrelada a de seu autor, foi rearticulada uma série de vezes por artistas homossexuais e mulheres desde sua polêmica aparição na década de 1890 (BARTLETT, 1988; MEYER, 1994; SHOWALTER, 1990), mas seu impacto na cultura brasileira é por vezes ignorado. Através de pesquisas recentes, é possível mapear o uso do nome de Oscar Wilde como sinônimo para homossexualidade masculina desde a virada do século XIX para o XX na imprensa carioca, além da frescura (camp) atrelada à figura de João do Rio, considerado o Oscar Wilde brasileiro, tradutor de muitas de suas obras para o português, incluindo Salomé (BRAGA-PINTO, 2018). Além disso, Crepúsculo dos Deuses seria um filme-chave para entender um dos aspectos da sensibilidade fresca (camp) que derivaria de certa herança wildeana: o fascínio pela obsolescência cultural, por redescobrir e revalorizar a “sucata da história" (ROSS, 1989). Ao fazer não uma paródia, mas um pastiche (DYER, 2007), uma “imitação sem sátira” do filme de Wilder, Watson aparentemente julgava a obsessão de Norma Desmond (Gloria Swanson) pela juventude de Salomé como uma característica relevante do filme estadunidense, a ponto de escolher reapropriar-se dela no número musical mais marcante do filme. Seria tal ênfase relacionada à sua homossexualidade, atrelada a um investimento afetivo específico em direção a Wilde e sua peça mais célebre? Macedo rearticulou os principais temas salomeicos, mas também os tensionou em parceria com Dercy Gonçalves, cuja interpretação característica da “anti-vedete” debocha da idealização de feminilidade e juventude que as vedetes vendiam ao público (NAMUR, 2009) e culmina numa carnavalesca abocanhada anal. Levando em conta o horizonte teórico supracitado e curiosos achados arquivísticos (entre eles, uma insinuação da homossexualidade de Macedo através da evocação direta da alcunha wildeana em uma crítica de jornal), gostaria de reivindicar a frescura de Macedo, localizando-o como participante de uma série de reapropriações queer da Salomé de Wilde. |
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Bibliografia | BARTLETT, Neil. Who Was That Man?: A Present for Mr. Oscar Wilde. Londres: Profile Books, 1988. |