ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O vestígio em um traçado: o "desenho" em Jonas Mekas |
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Autor | Lucca Nicoleli Adrião |
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Resumo Expandido | No projeto diarístico de Jonas Mekas, a película guarda a memória de um longo curso de experiências na vida de um homem, o que abrange sua chegada à Nova Iorque de seu exílio até o cotidiano de sua velhice. O corpo dessa cinematografia, que incorpora um paradoxo na coexistência de suas proporções épicas e da beleza banal dos registros, é um conjunto de objetos de grande valor para se pensar as relações do cinema com as lembranças, as subjetividades afetivas do autor em seu ofício e o processo de formação do tempo histórico. Esta proposta, contudo, afasta seu foco das preocupações ensaísticas e das "escritas de si", pretendendo averiguar os filmes-diário de Mekas como suporte de reserva para outro tipo de memória: a memória do gesto produtivo da mão do cineasta com a câmera. Sob um ponto de vista que privilegia a investigação de ordem formal e plástica, e situando a obra estudada em um campo modernista da produção cinematográfica, propõe-se discutir a pertinência de uma noção de "desenho" para descrever a manualidade percebida nos fragmentos cotidianos que compõem esses filmes. De início, por se tratar de uma captura mecânica dos indícios da realidade à sua frente, a atividade da câmera (e, por extensão, do seu operador) não comportaria a habilidade do desenho que é, em sua natureza, habilidade motora. Com o aporte teórico das aproximações do cinema com a pintura (AUMONT, 2004) e das elaborações conceituais já produzidas que viabilizaram o desenho como meio para pensar o cinema (ROHMER, 1977), vislumbra-se identificar, nos movimentos frenéticos e abstratos do manejo de Mekas com a câmera, uma espécie de traço que se forma no negativo sensível através desse tipo de trabalho manual; ou aquilo que Sérgio Ferro, ao falar das artes plásticas, chamou de marca: “na marca da produção há, apagada ou evidente, a memória do enfrentamento direto entre o gesto produtivo (utilize-se instrumentos simples ou máquinas) e o material que o recebe” (FERRO, 2015, p. 208). Traçando um percurso que parte das filmagens presentes em Lost, Lost, Lost (retrato dos primeiros anos em Nova Iorque, o cineasta ainda pouco familiarizado com seu instrumento de realização, aproximando-se vagarosamente dele como se tratasse de um animal a ser domado; seus planos começam mais estáticos e vão ganhando autonomia de movimento no decorrer dos anos nele ilustrados); passa por Walden (primeiro filme-diário montado e finalizado, demarca uma ruptura não somente do trato unificador que será dado aos fragmentos, mas também com a técnica mais rudimentar com que ele operava a Bolex) e termina em As I Was Moving Ahead Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty (culminação do seu testamento diarístico e filme em que, pode-se dizer, o operador se encontra com o maior domínio da máquina e em que o “desenho” melhor se materializa), o objetivo da apresentação está, especialmente, na defesa dos procedimentos de Mekas como manufatura artesanal de imagens – trabalho manual habilidoso que requer conhecimento e sensibilidade com materialidades específicas, nos termos de autores interessados nas implicações entre arte, sociedade e artesania, como Glenn Adamson (2019) e Richard Sennett (2009). |
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Bibliografia | ADAMSON, Glenn. Thinking Through Craft. Bloomsbury Publishing, 2019. |