ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | O pecado original: Glauber, Sganzerla e as facetas da cultura popular |
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Autor | Emilio Gonzalez Diez Junior |
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Resumo Expandido | Na sua rearticulação do Cangaço dentro de outro arranjo temporal, Glauber irá em Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), diante da impossibilidade da concretização da teleologia da história de Deus e o Diabo na terra do sol (1964), propor a cristalização da figura sincrética de São Jorge/ Oxossi dentro da mitologia do sertão. Esse movimento aponta para uma mudança que se constata através da figura do cangaceiro. Não há mais em Coirana os elementos de força e ação presentes nos cangaceiros de outrora, trata-se de uma figura de transição. O filme marca um momento onde a cultura passa gradativamente a ocupar o protagonismo perante o processo civilizacional. Sua preservação, portanto, é elemento fundamental para a constituição possível de uma revolução futura. Em Dragão a força é um elemento utilizado de forma reativa. A pureza do grupo liderado pela Santa, Coirana e Antão tem a prerrogativa da justiça da história. A força e a luta de seus ancestrais não foram perdidas, mas emanam de outras formas. Antes do embate com Antônio das Mortes o grupo, em sua passagem por Jardim das Piranhas, se limitou a manifestação através do canto e da dança, a força só foi utilizada quando o carrasco de Corisco e Lampião coloca Coirana em situação onde o combate suicida é inevitável. A população no alto das montanhas canta até os últimos momentos e não revida ao ataque derradeiro de Mata Vaca e seus jagunços. Inscrito nas pedras a frase "nada como um dia depois do outro" é o provérbio que parece justificar tal comportamento, certo que as forças que emanam do povo não podem desaparecer enquanto seus mitos se mantiverem vivos. Em Sem essa, Aranha (1970) ocorre a finalização do processo iniciado em Dragão, o herdeiro da cultura do cangaço, Luiz Gonzaga, não carrega mais um facão fajuto, mas um instrumento musical, a roupagem combativa que Coirana ainda tentava sustentar é substituída por uma figura completamente ligada ao universo da cultura popular, o guerreiro dá lugar ao artista. E, por isso, o embate com as forças contrárias ao povo não pode ser mais nos mesmos termos. As forças antirrevolucionárias deste momento irão se utilizar da censura e formas de apagamento da cultura e da religião popular para exercer seu domínio. Como aponta Ismail, Glauber trabalha a articulação entre o arcaico e o moderno de maneira oposta à da tropicalista, em Glauber é a dignidade do arcaico que desautoriza o moderno (XAVIER, 2013, p. 319). Há em Dragão uma reiterada preocupação em afirmar a dignidade da cultura rural que, na trilha sonora, se traduzirá na oposição do cancioneiro popular urbano ao das canções de Oxossi e de Cosme e Damião que são entoadas à exaustão no filme. A seriedade do tratamento da última se contrapõe a uma desconfiança com relação à primeira. Mesmo um panteão de artistas urbanos de peso selecionados para a trilha sonora não serão capazes de reverter a posição de superioridade que o filme promove às representações da cultura rural. Para utilizarmos da simbologia cristã, tão cara ao filme, a modernidade em Dragão está envolta de um pecado original que o impede à ascensão. Sem essa, Aranha irá, em contraposição ao Dragão, romper com essa dicotomia entre a cultura rural e urbana, mais importante do que uma autenticidade lastreada pelo arcaico será a expressão da subjetividade do oprimido. Assim, quando Helena Ignez apunhala e mata Aranha, será ao som de Luiz Gonzaga que o gesto se deflagará. A música é o elemento que baliza o ato da ruptura do oprimido com seu opressor. Se em Dragão, a música cantada por Lua enquanto Laura esfaqueava seu amante, O Cheiro de Carolina, ajudava na criação do efeito da decadência dos seus personagens, aqui ela irá promover sua superação. A partir desta breve apresentação, propomos um trabalho comparado que possa compreender a discussão feita por Sganzerla sobre a cultura e a religião em Sem essa, Aranha a partir da reflexão sobre esses temas em Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. |
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Bibliografia | BENTES, Ivana, (org.) Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das letras, 1997 |