ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Mostra Ladrões de Cinema: reescritas da história do cinema brasileiro |
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Autor | Lorenna Rocha da Silva |
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Resumo Expandido | Como seria reescrever a história do cinema brasileiro a partir das criações artísticas de atores e atrizes negros? Por que dar destaque aos trabalhos de profissionais negros do audiovisual brasileiro, para além da direção cinematográfica? Essas duas perguntas implicam uma série de movimentações simultâneas, que se dão pelo desejo de criar possibilidades de reescrituras da história do cinema brasileiro, dando destaque à presença negra ao longo das décadas. Numa primeira leitura, quando pensamos na presença negra ao longo da história do cinema feito no Brasil, percebemos como ela está marcada pela criação de caricaturas e estereótipos raciais (RODRIGUES, 2011) e como a questão da racialidade perpassa diferentes fases dos modos de fazer cinema brasileiro. Associando o negro ao feio, sujo, subalterno, periculoso, pernicioso, promovendo “representações negativas” das imagens, presenças e signos negros, valorizando os traços, culturas e referenciais estéticos branco-europeus. No entanto, durante a década de 1960 e 1970, o Cinema Novo, em sua busca pela representação do “povo brasileiro”, trouxe o corpo negro e suas manifestações culturais para o centro da narrativa, a ponto de ser considerado por certos pesquisadores como o início do cinema negro no Brasil (PRUDENTE, 1995). Nesse sentido, a concepção de “cultura negra” definiria tal conceito, onde a presença negra nas telas seria o mote para a identificação de um filme como negro. Ainda que se reconheça uma certa mudança (AUGUSTO, 2018; OLIVEIRA, 2018; SENNA; 1979) no regime de representação de filmes como Barravento (Glauber Rocha, 1962) ou Ganga Zumba (1963/72, Carlos Diegues), a constatação de que o campo cinematográfico brasileiro estruturou-se, significativamente, por homens, brancos, de classes mais abastadas, somada à quantidade ínfima de diretores e diretoras negras conhecidos ao longo de sua história, ao menos no século XX, faz com que essa perspectiva, contemporaneamente, seja colocada em xeque. Busca-se a criação de um referencial histórico, estético e político para a formação de um campo conceitual e prático do cinema negro no Brasil, que valorize, sobretudo, o lugar de pessoas negras na função de direção cinematográfica. A criação desse campo tem sido fundamentada a partir do suposto pioneirismo de Zózimo Bulbul (1937-2013), com seu filme Alma no Olho (1973). O curta, considerado como uma “obra disruptiva” e fundante para o campo cinematográfico negro brasileiro, parece ter criado um vácuo histórico-narrativo que invisibiliza um conjunto diverso de processos históricos, políticos e estéticos, desconsiderando assim as complexidades e o papel coletivo no estabelecimento do campo do cinema negro no Brasil. A insistência em nomear Zózimo Bulbul como “inventor do Cinema Negro Brasileiro” (CARVALHO, 2012), e insistir na Política dos Autores como ferramenta para narrar a história, parece engendrar uma espécie de cegueira ou amnésia generalizada a obras anteriores a Alma no Olho, além de escantear as contribuições de profissionais negros do cinema e audiovisual que atuaram antes do ator e diretor carioca. Refiro-me a filmes como Um é Pouco, Dois é Bom (Odillon Lopez, 1970), a atores e atrizes negros como Grande Otelo, Ruth de Souza, Luiza Maranhão, Antônio Pitanga, entre outros, que atuaram decisivamente para a composição criativa de diversos títulos da cinematografia nacional, muitas vezes sem assumir a função de direção cinematográfica. Na mesa, a Mostra Ladrões de Cinema (Janela de Cinema, 2022) será o ponto de partida para a reivindicação de outros modos de olhar filmes incontornáveis do cinema brasileiro, jogando luz às autorias negras. Títulos como A Rainha Diaba nos ajudam a ensaiar novas possibilidades de definir o campo do cinema negro brasileiro, investigando a inventividade de atores e atrizes negros. O que o deslocamento da convencional ideia de autoria (negra) poderia fomentar e fazer ver enquanto repertório histórico-conceitual do cinema negro no Brasil? |
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Bibliografia | AUGUSTO, Heitor. Passado, Presente e Futuro: Cinema, Cinema Negro e Curta-Metragem. Catálogo do Festival de Curtas Metragem de Belo Horizonte, Belo Horizonte, 20 de agosto de 2018. |