ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Construções do olhar em "Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness" |
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Autor | Letícia Xavier de Lemos Capanema |
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Coautor | Luzo Vinicius Pedroso Reis |
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Resumo Expandido | "Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness" (John S. Clark Jr; Floyd Crosby e David M. Newell) é um filme realizado no estado de Mato Grosso em 1931 por uma expedição zoológica e etnográfica estadunidense, liderada pelo capitão russo Vladimir Perfilieff e financiada pelo Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia (Penn Museum). O filme é também considerado uma das primeiras experiências do documentário sonoro, com a utilização da câmera talkie, RCA Photophone, equipamento projetado pelo The Victor Talking Machine Company. A obra se encontra no acervo do Penn Museum, assim como seu material bruto, diários de bordo, fotos, mapas e outros objetos levados pelos expedicionários. Em entrevista concedida ao New York Times antes de sua partida, Eldridge Reeves Fenimore Johnson, principal financiador do Penn Museum na empreitada, revela a intenção de ser “a primeira expedição a trazer de volta filmes com gravações de sons reais feitos na selva” (NYT 3/6/31). A obra se torna, provavelmente, a primeira experiência de gravação de som documental em campo (POURSHARIATI, s/d), característica que é ressaltada em sua sinopse: “pela primeira vez os ruídos da selva brasileira são trazidos pelo cinema aos nossos centros civilizados. Uivos de animais bravios e gritos de índios. A música bravia da selva ainda não palmilhada no extremo norte de Mato Grosso” (BORGES, 2008, p.38). O passo a passo da expedição na “selva” mato-grossense foi acompanhado pelos cidadãos “civilizados” dos EUA por meio de transmissões radiofônicas geradas dos acampamentos da expedição, na fazenda Descalvado, em Cáceres/MT (mesma fazenda que abrigou as equipes das expedições Rondon - 1913/1914). A intenção inicial era fazer um filme de ficção, mas resulta em um misto de filme científico com aventura, pioneiro no uso do som sincronizado em gêneros não ficcionais. O filme apresenta a flora e a fauna de paragens próximas ao Rio da Dúvida (também filmadas pela expedição Rondon-Roosevelt, em 1914), além de registros e situações encenadas junto ao povo Bororo. Destaca-se o grande interesse dos expedicionários nas práticas da caça, principalmente, da onça, gerando cenas de caçada realizadas para o registro da câmera talkie. A partir de abordagens decolonialistas, o filme tem sido identificado como exemplo do olhar paternalista e exótico do norte global sobre as povos originários latino americanos, além de sintoma do ímpeto extrativista e exploratório de um colonialismo tardio e persistente que atravessa o século XX. Segundo a pesquisadora Iris Lacerda, “o que seria um longa metragem ficcional acabou virando uma documentação geográfica e factual da colonização em sua pura essência” (2022, p.66). Em 1941, o material bruto do filme é remontado, gerando a versão de curta duração “Primitive Peoples of Matto Grosso”, com roteiro feito pelo antropólogo italiano Vincenzo Petrullo, que representou o Penn Museum na expedição realizada em Mato Grosso em 1931. Nesse filme, percebe-se a continuidade de um olhar colonial que classifica o outro como povo primitivo e objeto de estudos científicos de sociedades pretensamente civilizadas. A partir do exame da trajetória de “Matto Grosso, the Great Brazilian Wilderness” - que atravessa a história do documentário sonoro, do filme científico e etnográfico, das representações dos povos originários e do cinema realizado em Mato Grosso – propomos discutir as construções do olhar presentes no filme, bem como suas reverberações de 1931 até os dias atuais, gerando outras legibilidades de um filme que articula o passado e presente dos povos originários enquanto objeto e portadores do olhar no cinema. |
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Bibliografia | BORGES, Luiz Carlos de O. Coleção Memória e Mito do Cinema em Mato Grosso. Vol.3 – Filmografia do Cinema em Mato Grosso. Cuiabá: Editora Entrelinhas, 2008. |