ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | OS EXCREMENTOS DO CORPO DA VOZ EM DOCE AMIANTO: O EXCESSO DO REAL |
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Autor | Joice Scavone Costa |
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Resumo Expandido | O uso das fonações por Guto Parente, Uirá dos Reis e os profissionais de som do filme Doce Amianto (2013) carrega, ao escutarmos o filme, um rico valor estético e emotivo: arranjados pela dramaticidade, a dicção, o emprego das pausas, o uso dos pulmões, da língua, da boca, do nariz, o esforço físico de soltar e prender a respiração que demarcam o ritmo, o timbre, a entonação, a intenção e a espacialização da voz dos personagens do filme; desde a captação até a projeção nos falantes e sua apreensão pelo espectador.
O som mixado por Érico Reis Alexandre Paiva, mais conhecido como Sapão, técnico de áudio, editor de som e técnico de mixagem para cinema e música, contém códigos que corroboram a ideia de que a tela do cinema não seria separada do espectador, mas um meio de conectar o filme ao corpo que olha e escuta ao seu desejo mútuo pelo “real” (DOORN, 2010). A materialidade que sai dos falantes e se movimenta por ondas sonoras encosta nos corpos dos espectadores, mobilizando uma série de mecanismos de legitimação na subversão de códigos de performances de fala e de outros elementos sonoros, incluindo as relações estabelecidas fora do quadro. As mudanças nos aparatos técnico-estéticos sonoros ao longo da história do cinema influencia diretamente o desejo que estaria diretamente ligado ao corpo das personagens e que encarnam no corpo do espectador. Em Doce Amianto, essa estratégia de autenticidade e de legitimação – no próprio filme – constrói a sensação de intimidade e proximidade partilhada entre o sujeito do filme e espectadores, sem que a veracidade seja imperativa. Pelo contrário, o excesso do real se estabelece como artifício explícito, o que desarma o espectador atento que se deixa ser enganado pelo pacto firmado na tessitura fílmica. Os distintos diálogos, com a imaginação melodramática, a presenc?a do diretor e do aparato fílmico, a força das ações e dos relatos testemunhais apresentados como conversas e confissões e o uso de estratégias do domínio da ficção, em especial um investimento no uso dos close-ups e planos-detalhe, para justamente reiterar esse efeito emotivo de intimidade e interioridade, engendrado especialmente através dos close-ups no rosto (BALTAR, 2014, p. 11). A presença do som direto pode ser utilizado para intensificar o prazer e o desejo, hiper individualizado, do espectador diante da materialidade do real que toca suas membranas. A ideia de maior proximidade com os sujeitos na tela, que se reverte em maior intimidade com os personagens, intensificaria as promessas de observação/encontro com a realidade cotidiana dos sujeitos e contém uma boa dose de prazer em ver, supostamente, cumprida a promessa de maior acesso íntimo ao real dos outros: pacto de intimidade (BALTAR, 2014). As vozes das personagens de Doce Amianto foram mixadas de forma a soarem sempre na caixa central. Érico Sapão reforça: "Na verdade, tem até uma recomendação, porque num cinema, a única caixa que não pode falhar é a central. Todas as outras podem quebrar, falhar, não tocar, se a central falhar não tem filme". Mas no filme cearense de 2013 a voz não apenas ocupa a caixa central como, em perspectiva aos movimento internos dos corpos na tela e, na relação com os demais sons, as vozes soam em primeiro plano (em close-up) e grudam no corpo do espectador. Sapão reivindica como estilo do seu trabalho como mixador essa localização da voz. Nesse sentido, a escolha de Sapão está diretamente ligada à concepção hierárquica dos sons. O mixador opta por um modelo que preza a inteligibilidade em detrimento da fidelidade acústica e, nesse caso, sincrônica. O pesquisador James Lastra (2000) remete ao período inicial de desenvolvimento das técnicas de registro sonoro o modelo que teria por característica a valorizac?a?o de inteligibilidade e clareza do discurso em detrimento das condic?o?es acu?sticas do ambiente de gravac?a?o (LASTRA, 2000, 139). |
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Bibliografia | BALOGH,A. Conjunções, disjunções, transmutações. Da literatura ao cinema e à tv. São Paulo: Annablume, 1996 |