ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Mulher Protótipo do Cinema Novo e a Originalidade Latino-Americana |
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Autor | Andrea Rosas de Almeida |
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Resumo Expandido | O manifesto estética da fome (1965) anuncia a fome como metáfora, originalidade e nervo da sociedade latina, sentida e não compreendida pelo brasileiro que não come e não sabe de onde vem essa fome (ROCHA, 2004, p. 66). Como proposição, uma estética da violência é a manifestação cultural da fome e a potência para a compreensão do colonizado pelo colonizador: “somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender, pelo horror, a força da cultura que ele explora” (ROCHA, 2004, p. 66). Glauber traz a redução política da arte como implicação desse processo, visto que diante da negação da carência como elemento factual, os empreendimentos artísticos buscam referências em padrões intangíveis em termos de produção e de linguagem: “nos frustramos nos limites inferiores ao do colonizador que nos olha “pelo humanitarismo que nossa informação lhe inspira”” (ROCHA, 2004, p. 63). Nessa composição, a concepção de mulher protótipo do cinema novo é apresentada. O cinema novo, por isto, não faz melodramas: as mulheres do cinema novo sempre foram seres em busca de uma saída possível para o amor, dada a impossibilidade de amar com fome: a mulher protótipo, a de Porto das Caixas, mata o marido; a Dandara de Ganga Zumba, foge de guerra para um amor romântico; Sinhá Vitória sonha com novos tempos para os filhos; Rosa vai ao crime para salvar Manuel e amá-lo em outras circunstâncias; a moça do padre precisa romper a batina para ganhar um novo homem; a mulher de O Desafio rompe com o amante porque prefere ficar fiel ao seu mundo burguês; a mulher de São Paulo S.A. quer a segurança do amor pequeno-burguês e para isto tentará reduzir a vida do marido a um sistema medíocre. (ROCHA, 2004, p. 66-67) É notável que a ideação da mulher protótipo indica a objeção ao cinema clássico pela superação da representação das mulheres aos moldes da estrutura melodramática. O amor é enfrentamento aos padrões negados, intenta romper com o amor paternalista como “método de compreensão para uma linguagem de lágrimas ou de mudo sofrimento” (ROCHA, 2004, p. 64). O sentido dado ao amor é dissociado do paternalismo do colonizador e associado às figuras femininas em um cenário que reconhece a opressão patriarcal, contesta-a enquanto centralidade de poder e, de maneira controversa, acaba por reafirmá-la ao restringir as ações das personagens à normatividade. Por outro lado, o poder atribuído ao amor confere às mulheres uma potência transformadora, particularidade considerada por Silva (2020, p. 139) a oposição às representações das personagens femininas no cinema clássico melodramático, tipicamente frágeis, passivas, ligadas mais à emoção do que à razão, sentimentos que, segundo a autora, não cabem na realidade da fome apresentada por Glauber. Assim, pode-se configurar uma superação da perspectiva submissa no feminino na estrutura melodramática sem, no entanto, garantir um espaço de autonomia para a mulher, visto que esta permanece ligada a um amor heterossexual para o qual “busca uma saída”. (SILVA, 2020, p. 139-140) Quando Glauber Rocha assume a potência social, política e criativa da fome, a violência torna-se sua força expressiva: confronta e, também, assente a realidade do faminto, a situação marginal dos cineastas e a configuração colonial da sociedade latina. Como no manifesto, em Deus e o diabo na terra do sol (1964) o amor é relacionado à força expressiva e transformadora enunciada por Glauber, sendo conduzido pelas personagens mulheres. No filme, uma atmosfera de crise gera tensões que intentam a revolução popular pela inversão da ordem vigente, tal como na trilha sonora original: “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão” (DEUS, 1964). Sendo assim, no sentido questionador da ordem, o amor é a desordem vigente, na medida em que os estados de consciência política são acionados pelas personagens femininas, especialmente por Rosa, mas também por Dadá. |
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Bibliografia | DEUS e o Diabo na Terra do Sol. Direção: Glauber Rocha. Rio de Janeiro: Copacabana Filmes, 1964. 1 filme (110 minutos), 35mm, BP. |