ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Maíra, A Última Floresta e A Febre: reflexos da questão indígena |
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Autor | Susana Dobal |
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Resumo Expandido | A ruptura com uma explicação causal e teológica da história revela descontinuidades e afinidades que propõem novas séries, novas analogias não necessariamente ligadas por requisitos cronológicos e nem por isso menos frutíferas na sua capacidade de apontar reincidências e transformações discursivas. Quando colocamos lado a lado três obras que tratam da questão indígena no Brasil em um terreno fluido que une ficção, antropologia e documentário, sendo elas o romance Maíra, de Darcy Ribeiro (1976), e os filmes A Última Floresta (2021), de Luiz Bolognesi e A Febre (2019), de Maya Da-Rin, enxergamos tanto as afinidades entre essas obras, como o quão distantes estamos do século XIX das fotografias antropológicas que fizeram do corpo colonizado um objeto de estudo, e da idealização do bom selvagem dos romances e da pintura. O olhar ainda é externo, não abordamos aqui as produções realizadas pelos indígenas, mas há um desejo de aproximação e empatia com visíveis consequências para o próprio discurso, que precisa ser abrandado para melhor se adaptar ao seu conteúdo. Avá, personagem do romance de Darcy Ribeiro, quer traduzir a bíblia em termos que sejam compreensíveis ao seu povo, mas a linguista esposa do missionário censura essa adaptação. Ela é como o romancista, o pintor ou o fotógrafo do século XIX, incapaz de se colocar no lugar do outro e renunciar às suas prerrogativas ao retratar o indígena compatível com os moldes previstos pela literatura, pela pintura e pela ciência de então. O antropólogo romancista e os cineastas em questão estão mais próximos de Avá, traduzem a questão indígena para o seu povo não-indígena, e procuram adaptar a linguagem do romance e do cinema ao propósito de perceber menos como o outro é do que como o outro percebe, ou seja, como o ser do outro se revela no ser da sua percepção. Trata-se ainda de despertar empatia pelo indígena, um propósito evidente na literatura e na pintura do século XIX, porém o fascínio implícito e detonador do olhar do não-indígena tem outras motivações. Ele é movido tanto pela nostalgia de uma fusão com a natureza quanto pela curiosidade por uma forma de conceber o mundo desprovida das amarras da racionalidade. No entanto, por mais contaminado que esteja esse olhar pelo que deve ser sanado pela figura do indígena, a crueza do contato e a ferida aberta pelo encontro, ou desencontro, entre culturas diferentes não são dissimulados. Os escritos de Eduardo Viveiros de Castro (2014) sobre o perspectivismo indígena nos ajudam a compreender como o pensamento ameríndio desconhece a hierarquia entre o humano e o não-humano que rege o pensamento ocidental, a começar pelo fato de que na cosmologia indígena os humanos podem se identificar com animais, como bem exemplificado no romance do Darcy Ribeiro, e há ainda uma concepção ameríndia dos não-humanos como sendo humanos na sua aldeia e organização própria – é o que sugere o irmão de Justino, no filme A Febre, sobre o ataque de uma criatura ainda não identificada noticiado no jornal televisivo, ao comentar que pode não ser um animal, mas algo como uma roupagem de animal para outro ser. Também o livro A Queda do Céu, escrito por Davi Kopenawa e Bruce Albert, trouxe compreensão mais aprofundada da cosmologia yanomami e da maneira como a ameaça que paira sobre os yanomami foi assimilada em termos míticos. Os reflexos disso podem ser vistos nas obras consideradas nesse artigo, especialmente no filme A Última Floresta, um misto de documentário e ficção que conta com Davi Kopenawa como condutor da narrativa explicitamente inspirada no livro do xamã yanomami e do antropólogo francês, conforme relata o diretor Luiz Bolognesi (2021). A análise das três obras em questão vai se apoiar nesses autores para desvendar as afinidades entre o romance do antropólogo, o documentário que não se furta a encenar mitos e o filme de ficção visto por estudantes indígenas da UFSCar, que se espelharam no personagem do Justino, no filme A Febre (BORGES, 2021) |
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Bibliografia | BORGES, Vanessa Carneiro. Que febre é essa? Olhares indígenas sobre o filme “A Febre” . InformaSUS, UFSCar. São Carlos, SP. 7.5.21. https://informasus.ufscar.br/que-febre-e-essa-olhares-indigenas-sobre-o-filme-a-febre/ Acesso: 20 abr 2023. |