ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Disputas pela memória, disputas pelo filme |
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Autor | Maria Clara Rodrigues Arbex |
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Resumo Expandido | Os filmes analisados aqui tratam sobre memórias dos regimes civil-militares de seus respectivos países: Paraguai e Brasil. O acesso e exposição dessas memórias e histórias não se dá de maneira simples e os documentários se constituem como espaços de disputa pela narrativa e pelo filme. Em certos momentos, esses conflitos parecem dizer respeito à mesma coisa, em outros, não. É o caso de 108: Cuchillo de Palo. Durante todo o filme, Renate e seu pai disputam a narrativa sobre o tio da diretora, Rodolfo, que é homossexual. Renate confronta o pai em diversos momentos e Pedro sempre refuta a filha, sempre usando passagens e ensinamentos da bíblia para sustentar sua posição. Renate, ao mesmo tempo que diz estar se afastando da família, preocupa-se com o pai. Para ela, a conciliação vale a pena, apesar das diferenças. Podemos nos arriscar a dizer que isso só ocorre porque, além de personagem, Pedro é seu pai. Guardadas as devidas diferenças, Renate acaba agindo como seu tio. Em uma cena em que a diretora conversa com um amigo de Rodolfo, ela pergunta o por quê de ele, mesmo tão incomodado, não tentar “fugir da família”; o amigo responde: “não é fácil romper com a família” e continua dizendo que Rodolfo sacrificou muitas coisas e preferiu ficar ali, “a cinco metros” de sua mãe. Renate preferiu não terminar seu filme com o pesado silêncio de Pedro, mas com uma tentativa de entendimento. Em Os Dias com Ele, Maria Clara questiona a ausência do pai e de uma memória familiar; Escobar responde questionando o próprio filme. Apesar da maioria dos questionamentos de Maria Clara serem sobre a vida política do pai, Escobar por vezes considera que a filha está fazendo um filme somente sobre ela. Essa constatação parece incomodar Escobar, que sempre sugere como o filme deve ser feito e relata que se o filme é sobre ele, as questões levantadas deviam ser mais públicas e não sobre a relações dos dois. Mas para Maria Clara essas duas instâncias se confundem: fazer o filme colocando o pai no lugar de personagem privado é tornar ele um personagem público. Ela quer que a sua história familiar privada tenha ressonância com a história política do país e isso confunde Escobar, que discorda do posicionamento da filha. Para ele, falar sobre essa história pública só aconteceria se as perguntas fossem direcionadas ao seu trabalho intelectual e a sua militância. Esses dois posicionamentos também entram em disputa. Mesmo dizendo respeito ao privado, as histórias familiares presentes nos filmes têm ressonância com certas memórias coletivas. Ao pensar na família como instituição, Ana Amado e Nora Domínguez (2004) apontam que os relatos familiares, que são também sociais e representacionais, contêm “as coordenadas que exibem o social e o cultural desde suas fissuras” e revelam “em seu enunciado o germe da resistência ou os dilemas de uma mudança” (AMADO e DOMÍNGUEZ, 2004, p.15-16, tradução nossa). Nos filmes, o conflito das diretoras com seus familiares é pela história da família, por algo que, a princípio, parece ser mais privado e íntimo, mas que encontra ressonância com outras histórias, semelhantes. Os personagens tentam controlar a finalidade pública dos documentários: Carlos Henrique pelo conflito direto com a diretora; Pedro, pelo silenciamento e pelo recalque, uma estratégia de controle familiar tão forte quanto as outras. Eles usam a hierarquia familiar para tentar controlar as cineastas, em maior ou menor grau, no entanto, ao final dos filmes, os papéis se transformam: Renate e Maria Clara dão a última palavra, alterando a escala de poder. Nos documentários, a hierarquia familiar se inverte. As diretoras ouvem seus parentes, mantêm os testemunhos deles nos filmes, mas suas apostas narrativas se encontram para além do familiar, no cinema. |
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Bibliografia | 108: CUCHILLO DE PALO. Direção e roteiro: Renate Costa. Paraguai e Espanha, 2010 (93 min). |