ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Olhar em disputa: representação evangélica em “Vai na fé” |
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Autor | Bernardo Tavares e Silva Costa |
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Resumo Expandido | Sob o sol de Piedade, Solange sai de casa para mais um dia de trabalho no Centro do Rio de Janeiro, onde vende quentinhas e divulga seu produto cantando adaptações de hits do início dos anos 2000. Seu sonho é se tornar uma artista e poder levar sua voz para além dos cultos de domingo. A trama de “Vai na fé”, novela das 19 horas televisionada pela Globo, é construída em torno de protagonistas evangélicos e propõe uma perspectiva divergente da representação hegemônica do grupo religioso. Marcada por uma abordagem crítica, a presença de personagens praticantes do cristianismo neopentecostal na televisão e no cinema nacionais contemporâneos costumam estar associados à problematização do conservadorismo. Em filmes como “Éden” (Bruno Safadi, 2013) ou “Mate-me por favor” (Anita Rocha da Silveira, 2015), o indivíduo evangélico é representado sob a insígnia da ironia (WALLACE, 1998), seja pelo desejo de denunciar a exploração de fiéis por parte de instituições religiosas ou de enquadrar certa hipocrisia discursiva do grupo. Uma estratégia narrativa similar assinala também “Os últimos dias de Gilda” (Gustavo Pizzi, 2020), série em que os religiosos são a força antagonista diante dos valores progressistas da personagem-título. Na contramão dessa proposta, contudo, a novela “Vai na fé” parece fazer parte de um esforço de estabelecer um outro contato com o público, dadas as pesquisas recentes que revelam serem os evangélicos parte significativa da audiência da Rede Globo de televisão (SVARTMANN apud MIYASHIRO). Nesse sentido, os autores apostam em uma elaboração narrativa que considera a complexidade do indivíduo religioso, atravessado por uma diversidade de questões existenciais das quais a religiosidade é apenas mais uma. No caso de Sol, a protagonista do enredo, seu desejo pela dança, associado a seu suposto passado obsceno nos bailes funk, é antagonizado pelo discurso moralizante da mãe, do marido e das filhas. Entretanto, o núcleo familiar não se resume apenas a uma agência oponente, constituindo também uma complexa rede de acolhimento. “Vai na fé” se utiliza de uma gama de mecanismos narrativos para a produção de empatia, tecendo a construção dos religiosos evangélicos em torno de ambiguidades que os tornam menos simplistas: no caso de Sol, a crença no Evangelho representa tanto uma força quanto uma fraqueza na jornada de seus desejos. Para além disso, o roteiro da novela investe em pontos estruturantes ocultos no passado dos personagens (MATSUNAGA apud ROJAS, 2019), de modo a fundamentar suas escolhas e incentivar a identificação do público. Desse modo, a ideia de um olhar opositor (HOOKS, 2019) de uma grande parcela dos telespectadores, em especial neopentecostais, em direção ao conteúdo televisivo, fundada pela desconfiança nas representações estereotípicas, pode se complexificar em outros termos, ecoando a possibilidade de que o horário das 19 horas de uma das maiores emissoras de televisão do país seja um espaço sobretudo de escuta e diálogo. |
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Bibliografia | HOOKS, bell. “O olhar opositor: mulheres negras espectadoras”. In: Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. |