ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Se lançar como míssil |
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Autor | Talita Arruda |
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Resumo Expandido | A 66ª edição Flaherty Film Seminar, em 2021, foi programada pela pesquisadora e curadora Janaína Oliveira e versou sobre a Opacidade (GLISSANT). Durante os encontros, a cineasta Everlane Moraes dividiu no chat uma questão que a atravessava. Peço licença para trazer ela para cá, e assim abrir a reflexão sobre a distribuição dos cinemas negros contemporâneos: “Não somos cineastas brancos, que herdaram um mercado preparado ou criado por e para nós. Qual a possibilidade de sermos artistas negros dentro dessa indústria perversa? Infelizmente existe um grande fetiche da indústria em sermos "negros", obrigatoriamente. Em resumo, como vocês conseguem respirar como artistas e cineastas negros?” Essa provocação traz à tona a contradição de que é importante reivindicar espaço de circulação para os nossos cinemas negros contemporâneos. No entanto, demandar acesso aos dispositivos de visibilidade, não exclui que também é urgente postular a transformação radical deste regime mercadológico. Há armadilhas e discursos falsos de diversidade, pautados por marcadores afirmativos, mas regidos sob os valores da supremacia branca capitalista. Em aula fechada, a professora Rosane Borges, indagou nesta perspectiva uma questão central: “Como produzir discursos visuais contra-hegemônicos que não se ofereçam acriticamente ao mundo capitalista de consumo?”. As práticas de captura agem através da “comodificação da negritude” (hooks). Processo que ocorre quando nossas imagens são apropriadas por pessoas não negras e esvaziadas para atender aos interesses do mercado. E tem consequências graves ao não encontrar limites. O que também será abordado por Collins na sua pesquisa sobre Imagens de Controle. Segundo ela, estas imagens garantem que a naturalização do status de violência de corpos não brancos seja mantida, regularizada e normalizada. Em diálogos mais contemporâneos, têm interlocução com o que Cinthia Guedes chama de “Cárceres Estéticos” e com o que Jota Mombaça aborda primorosamente em seu artigo “Plantação Cognitiva”, quando desgina “os modos pelos quais os sistemas das artes continuam a associar o exercício da violência antinegra a processos de extração de valor que repetem a coreografia da escravidão mesmo quando, supostamente, estão dando “visibilidade” e atuando pela “representatividade” das “minorias” nestes espaços.” (SANTOS). Neste mesmo contexto, há um fenômeno atual no audiovisual brasileiro, que Tatiana Carvalho Costa convoca como QuilomboCinema. Aquilombamento que reúne realizadores, pesquisadores, curadores, entre outres agentes negres do audiovisual. É “movimento de realidade incontestável” pela sua produção contínua, pela afirmação do cinema negro como um campo comum e pelos seus públicos crescentes e frequentes (OLIVEIRA). E que atua como “espaço seguro” (COLLINS), como local de rearticulação, resistência, e principalmente, como prática de recusa (CAMPT). A exemplo prático, podemos analisar a distribuição dos três filmes aprovados no edital afirmativo para longas-metragens brasileiros do Ministério da Cultura (2016): “Cabeça de Nêgo”, “Um Dia com Jerusa” e “Marte Um”. Filmes, que através de suas estratégias de realização e de distribuição, estabeleceram “práticas de recusa” e driblaram os “cárceres estéticos”. Lançaram-se como mísseis, parafraseando Linn da Quebrada. Abraçaram as contradições mercadológicas, mas permaneceram atentos e “armados” em seus processos de circulação às armadilhas presentes. O que interessa aqui então, é realizar um estudo não centrado nos filmes, mas que olha também para suas práticas e para as relações vivas implicadas nos processos de distribuição. Propor a investigação crítica, política e engajada, que questionará se é possível atuar no espaço mercadológico e se desvencilhar de suas capturas. No intuito de ampliar as presenças e permanências dos nossos cinemas negros, sem refinar os controles sobre eles, permitindo-os em suas potências de expansão infinita (FREITAS). |
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Bibliografia | BORGES, Rosane. Mulheres negras e o cinema. 2022. |