ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Proposição e participação: do neoconcretismo à Adirley Queirós |
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Autor | Maria Bogado |
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Resumo Expandido | O cinema brasileiro das últimas décadas, com o barateamento da produção decorrente do uso do digital, apresenta ricas experiências de processos coletivizados que aproximam arte e vida de modo original, nos quais, para além dos filmes finalizados, importam os efeitos das experiências de realização na vida dos participantes. Aposta-se que os processos cinematográficos adquirem uma função política ao operar deslocamentos nos campos perceptivos e subjetivos dos participantes, o que potencialmente pode revelar novas formas de construir comunidade. A partir desta perspectiva, este trabalho busca investigar como as práticas e o legado conceitual do neoconcretismo brasileiro, vanguarda de arte nos anos 1960, podem oferecer ferramentas para pensarmos processos inventivos de diversos coletivos e cineastas, tendo como foco, aqui, a produção de Adirley Queirós, com destaque para a realização de Era Uma Vez Brasília (2017). Busca-se investigar como as noções de "proposição" e de "participação" dos neoconcretos ajudam a compreender as dinâmicas de produção e a distribuição da autoria na constituição desse longa. A trajetória Lygia Clark junto ao neoconcretismo, marca, no Brasil, a passagem da arte moderna para a arte contemporânea. Um dos pontos principais dessa transição é o deslocamento da importância da realização de produtos acabados para a proposição de processos compartilhados com pessoas comuns. Desloca-se a ênfase em público receptor para o fortalecimento das experiências e relações inter-individuais estabelecidas entre os participantes das ações artísticas (DUARTE, 2015). O artista perde o controle total da autoria das obras e passa a agir como um “propositor”, que não espera espectadores, mas busca ativamente “participantes” para realizar experiências das quais não detém ciência completa dos efeitos. Abandona-se, por fim, um paradigma “formal-artístico” (PEDROSA, 2006, p.29) para alcançar uma abordagem “estético-vital” (Idem) da arte. Aproxima-se arte e vida complexificando a fronteira entre esses dois termos. Embora não tenha realizado nenhum filme acabado, Lygia Clark, uma das principais propositoras do neoconcretismo, interessou-se por cinema e deixou proposições cinematográficas (realizadas depois de sua morte) e comentários sobre filmes em seus diários e correspondências. Nesses registros, percebe-se como ela relaciona os princípios de suas práticas e reflexões sobre arte com a recepção cinematográfica. Clark declara, em seus diários, a necessidade de perceber “o fazer-se” dos filmes, que não lhe interessam a partir de uma perspectiva formalista. A artista estabelece uma tensão não entre processo e produto, mas entre projeto e produto. Perturba-se com filmes que apresentam um "jogo pré-concebido" (CLARK, 2015, p. 99-100) ao espectador, em vez de mostrarem os efeitos de um processo em curso, que extrapolasse "uma visão individual da realidade" (idem), ou seja, as intencionalidades estáveis de um autor. Segundo ela, esses filmes que não apresentam "o fazer-se" não atendem a necessidade de "coletivização do indivíduo" (idem), nesse momento de questionamento da centralidade do sujeito próprio de meados do século XX. Os filmes centrados com rigidez na realização de projetos, segundo seu raciocínio, excluem a premissa ética, cara ao neoconcretismo, da arte revelar a possibilidade do "viver na base da permanente mutação" (idem), ou seja, de proporcionar experiências de subjetivação transformadoras. Diante deste repertório, indagaremos em que medida Adirley Queirós age como "propositor" e convoca seus atores e técnicos como "participantes", criando um campo comum de experiências inaugurais que resulta em uma visão do real em algum grau coletivizada. Aposta-se que seus últimos processos de realização culminam em filmes que não apresentam um "jogo pré-concebido", mas a densidade de um "fazer-se", nesse infinitivo que não comporta sujeito, mas nos convida a pensar no presente de um processo que se apresenta na captura de seu fluxo. |
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Bibliografia | CLARK, Lygia; OITICICA, Hélio. Cartas, 1964-74.. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. |