ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | AS MUITAS VIDAS DO CINE SÃO JOSÉ |
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Autor | André Huchi Dib |
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Resumo Expandido | Este artigo se dedica a apresentar e analisar os elementos que levaram o Cine São José a se tornar um ponto fora da curva, em comparação às demais salas de rua historicamente situadas no interior nordestino. Num cenário em que mudanças técnicas e de modelo de negócio favorecem grandes exibidores em centros comerciais de cidades de médio e grande porte, os cinemas de pequenas cidades perderam a viabilidade comercial. Neste sentido, a simples existência de uma sala de exibição clássica em 2023 faz do Cine São José uma exceção, não apenas no Sertão Pernambucano. Fazendo um curto retrospecto: em 23 de novembro de 1942, o farmacêutico Helvécio Lima decidiu diversificar os negócios, inaugurando, em Afogados da Ingazeira (PE), o Cine Pajeú. Seu nome revela o desejo de centralidade não somente para o município, mas para toda a região, no Sertão do Pajeú. Com 600 cadeiras e projetores importados da Alemanha e arquitetura Art Deco, o Cine Pajeú se fez distinto desde a fachada, com sua cabine de projeção proeminente e janelas circulares, adornadas pelo letreiro em alvenaria, acrescentando beleza e modernidade à paisagem urbana da cidade. Em 4 de março de 1958, o Cine Pajeú muda de dono: comprado pela Diocese de Afogados da Ingazeira, se alinha às diretrizes da encíclica papal Vigilanti Cura, promulgada em 1936, e cuja influência no Brasil se desdobrou nos anos 1950, com a fundação de cineclubes e abertura ou aquisição de salas de cinema. Nesta segunda fase, o Cine Pajeú passa a se chamar Cine São José, e logo teria como vizinha a Rádio Pajeú, pioneira na região, também de propriedade da igreja. Devido a diversos fatores que levaram os cinemas de rua à decadência e ao fechamento, o Cine São José fechou as portas na década de 1980 e, no início dos anos 1990, já havia se tornado ruína. Porém, em 1994, grupos de teatro e ação cultural da cidade reuniram 200 pessoas e formaram um mutirão para reerguer o prédio do cinema, do qual só restava praticamente a fachada. Formou-se uma comissão de restauração que nos anos seguintes contou com apoio do poder público municipal e estadual. Em 1998 a comissão adquiriu um projetor Philips 35mm e, em pleno ocaso das salas de rua, o Cine São José foi reinaugurado em 26 de dezembro de 2003, com tela cinemascope, som estéreo e alguns anos depois, projetor adaptado para lâmpadas xenon. Em sua terceira vida, o São José se tornou um espaço multiuso, com sessões de cinema regulares, espetáculos e outros eventos. Em 2012, com o início da digitalização do parque exibidor brasileiro, o Cine São José passou a enfrentar dificuldades, até que, em 2015, com o fim da distribuição comercial de filmes 35mm, fechou mais uma vez. Nesse mesmo ano nasce a Mostra Pajeú de Cinema. Realizada uma vez por ano, ela manteve o Cine São José ativo a partir de um novo grupo que promoveu, entre outras discussões, uma programação específica voltada para a defesa e preservação dos cinemas de rua. Novas articulações foram feitas entre sociedade civil, poder público e a diocese. A estratégia funcionou e, em 2019, o Cine São José é mais uma vez reinaugurado e volta a exibir filmes do circuito comercial, com modernização climática e projeção digital 4k e som 7.1. Além de contar a sua história, nossa comunicação observa o sistema atual de funcionamento do Cine São José, a sua relação com distribuidores, com o público, sua estratégia de sustentação econômica e de modelo de gerenciamento. Utilizando abordagens da arqueologia das mídias e do New Cinema History, este trabalho se vale de entrevistas com fontes diretas, coleta e análise de arquivos, pesquisa de campo (visitas ao cinema), e minha própria experiência como curador da Mostra Pajeú de Cinema, para investigar as condições de mobilização e resistência que permitiram a permanência e a atualidade do Cine São José. |
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Bibliografia | ELSAESSER, T. Cinema como arqueologia das mídias. 1ª ed. São Paulo: Editora Sesc, 2018. |