ISBN: 978-65-86495-06-5
Título | Escrita das sensações |
|
Autor | Éri Ramos Sarmet dos Santos |
|
Resumo Expandido | Em "Screenwriting: History, Theory and Practice" (2009), Steven Maras propõe uma nova forma de pensar a escrita fílmica (screenwriting) a partir de uma perspectiva histórica e teórica que compreende a escrita de roteiros simultaneamente como prática e discurso. Maras demonstra como a noção do que entendemos hoje por roteiro foi histórica e culturalmente construída por meio de declarações de roteiristas, críticos, cineastas e acadêmicos circulantes em variadas instituições, jornais, revistas, livros e manuais desde o início do século XX. Desse modo, ao longo da história e até os dias de hoje, a escrita de roteiros é muitas vezes reduzida à sua importante e antiga função de auxiliar na organização da produção, fornecendo informações para estimativas de orçamento e cronograma. Maras chega a dedicar um capítulo inteiro ao conceito do roteiro como "blueprint", metáfora que compara o roteiro à planta de uma casa. O mesmo faz Claudia Sternberg (1997), que localiza a ideia do blueprint em um discurso histórico que desvaloriza o roteirista, o roteiro e o seu potencial estético. Sternberg vê como reflexo desse discurso a ausência de pesquisas dedicadas à análise textual dos roteiros, historicamente restritas aos manuais. Existentes desde o começo do cinema, os manuais de roteiro teriam apenas dois objetivos: estabelecer uma escrita formulaica e vender a promessa de sucesso econômico no mercado. Contudo, Sternberg faz questão de marcar que essa escrita formulaica não é própria da natureza do roteiro, e sim motivada por expectativas rígidas do cinema mainstream dos Estados Unidos, determinadas por convenções e normas econômicas e culturais específicas (p. 59).
É nesse caminho junto a Sternberg e Maras que desejo pensar o lugar da sensação no roteiro. Venho entendendo que a forma tradicional de escrita fílmica, focada em trama e estrutura, com convenções rígidas do que pode ou não constar no papel, responde à uma noção de produtividade que reduz o roteiro à sua função organizacional. Na divisão da produção fílmica em etapas (desenvolvimento, produção e pós-produção), as sensações foram relegadas à mise-en-scéne, ao espaço da atuação e da realização somente, sendo excluídas do âmbito da escrita. Tal noção ganha força sobretudo a partir dos anos 1970, com a popularização massiva dos manuais de roteiro nos Estados Unidos. Subscritos à tradição ocularcêntrica da crítica e teoria cinematográfica, os manuais defendem uma escrita "ativa" ou "direta", desprovida de figuras de linguagem, abstração, qualificação de substantivos e verbos. "Pobre do roteirista, pois ele não pode ser um poeta (...) Elimine os verbos 'ser', 'estar', 'haver', 'existir' (...) Evitando, como Hemingway, termos abstratos, adjetivos e advérbios, favorecendo os verbos mais ativos e específicos e os substantivos mais concretos' (MCKEE, 2013, p. 368-369) Em minha experiência como roteirista e leitore de roteiros, contudo, reconheço diversas estratégias de disrupção dessa convenção. Um roteiro pode afetar ou emocionar a partir da descrição de sensações e sentimentos de personagens; por meio do uso da descrição de sons e trilha; pela criação de atmosfera e exploração do espaço; por meio da cadência do próprio texto, entre outras. Há algo na leitura de roteiros que inspira um estado sensorial que, uma vez transposto para o audiovisual, também se apresenta na forma do filme. A partir da análise de trechos de longas-metragens de ficção variados, proponho uma reflexão sobre os modos de disrupção das normas da escrita fílmica na sua relação com o corpo e o sensório. |
|
Bibliografia | MARAS, Steven. Screenwriting: history, theory and practice. London and New York: Wallflower Press, 2009.
|