ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | O feminino monstruoso em A Criatura de Gyeongseong |
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Autor | Juliana Monteiro |
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Resumo Expandido | Em dezembro de 2023, o canal de streaming Netflix lançou a série de terror/ficção científica A Criatura de Gyeongseong (Gyeongseong Creature, Chung Dong-yoon e Roh Young-sub, 2023) em duas partes: a primeira em 22 de dezembro de 2023 e a segunda no dia 5 de janeiro de 2024. O k-drama é ambientado em Gyeongseong - antigo nome da metrópole de Seoul - no ano de 1945, durante o período de domínio colonial japonês. A proposta histórica parte da notícia das quedas das bombas estadunidenses no Japão e apresenta os personagens que darão início a narrativa: Jang Tae-sang, um importante comerciante da região central de Gyeongseong e o Capitão da Polícia Japonesa local Sr. Ishikawa que exige que Tae-sang encontre sua amante desaparecida usando sua influência na cidade. Esse serviço dará início a tenebrosa jornada de Tae-sang e outros personagens em descobrir muito mais do que o paradeiro de uma mulher grávida. O fenômeno do k-drama no ocidente é para Youna Kim resultado de um fascínio pela alteridade na qual os espectadores encontram narrativas desconhecidas sobre eventos históricos, formas de cultura e comportamento, atrelados a uma sociedade muito diferente da sua (2022, p. 174). Esse encontro entre audiência ocidental e os k-dramas partem do que a autora chama de “cosmopolitismo pop”, em que os fluxos da cultura popular inspiram novas formas de consciência e competência cultural (2022, p. 174). Dessa forma, as narrativas de k-drama possibilitam trocas transculturais, uma vez que possuem enredos singulares valendo-se do hibridismo de gênero e de certas doses de elementos comuns e reconhecíveis a muitas sociedades; no caso de A Criatura de Gyeongseong, esse elemento é o monstro. Ao ambientar-se no período colonial japonês na Coreia, o k-drama não deixa de abordar as inúmeras violências sofridas pela população local que precisou assumir um nome japonês, teve sua história suprimida das matérias escolares, era proibida de falar a língua original, além de sofrer torturas do exército e da polícia nipônica. A série também explora os diversos experimentos em cobaias humanas realizados pelo exército do imperador resultando na figura de um monstro criado em território coreano; um monstro perfeito para a guerra – e feminino. Na cultura coreana, as narrativas de transformação humano-animal remontam a época da formação do primeiro reinado, em torno de 2333 a.C com a lenda de Tangun, no qual um urso decide se tornar humano, realiza um sacrifício e consegue seu desejo tornando-se uma mulher (PEIRSE; MARTIN, 2013, p. 2). Nas pesquisas recentes sobre o cinema de horror coreano, destaca-se o papel fundamental das mães em narrativas de fantasmas e monstros (OH, 2013, p. 60). Essa relação se dá uma vez que o lugar do feminino dentro da cultura coreana – em específico - é ditado pelas crenças Confucionistas na qual a mulher é a submissão; e a reprodução é o motivo do seu sucesso (OH, 2013, p. 62). Assim, é importante observar que mesmo que o conceito de monstro seja popular no cinema de horror mundial, o monstro feminino coreano diverge em muitos pontos das teorias feministas ocidentais, como de Barbara Creed e Julia Kristeva, que estabeleceram suas bases na psicanálise em perspectivas que excluem inteiramente as dinâmicas sociais do leste asiático e consideram a experiência feminina errôneamente como universal. Portanto, o objetivo deste trabalho é discutir como o k-drama A Criatura de Gyeongseong apresenta o monstro feminino distanciado das teorias psicanalíticas ocidentais e dentro das tradições do cinema de horror coreano, reforçando as conexões da série com os filmes de horror coreanos dos anos 1960 que exploram enredos fantasmagóricos femininos, bem como evidenciar a família como ambiente de (in)sucesso da mulher e, por fim, o quanto o processo de hibridismo cultural no k-drama presente na cadeia de streaming global é capaz de alterar elementos substanciais do formato em prol de tornar sua narrativa o mais acessível possível a outras sociedades. |
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Bibliografia | AN, Jisoo. Parameters of Disavowal: Colonial Representation in South Korean Cinema. Oakland: University of California Press, 2018. |