ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Encontros anônimos no cinema brasileiro. |
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Autor | Márcio Câmara |
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Resumo Expandido | O artigo toma emprestado o título Cinema Verité nos Estados Unidos: Estudos de Documentários Descontrolados (1974) de Stephen Mamber. Atualizei a palavra descontrole para pensar como certas situações de filmagem são realizadas e como esse descontrole, nesse caso sonoro, é o elemento que trabalha a favor da narrativa fílmica. Para isso analiso três sequências de filmes brasileiros de ficção contemporâneos onde apresento a ideia do encontro com o anônimo, onde esse anônimo, ou imprevisibilidade sonora, é um fator desejado para chancelar a realidade que a representação da mise en scène ficcionada busca. Os filmes são: Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005), sequência onde os protagonistas são servidos por um senhor na sua casa, dentro do sertão do Cariri paraibano, e ao sabor de um bode cozido, os três conversam durante o almoço; Elvis e Madona (Marcelo Laffite, 2010) quando o personagem Madona conversa com o personagem Seguinte em plena Rua Rodolfo Dantas na esquina com a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, às 5 da tarde, locação no coração de Copacabana, Rio de Janeiro, com todas as suas artérias barulhentas e imprevisíveis; Para ter onde ir (Jorane Castro, 2015) sequência onde a personagem Eva dirige seu carro na praia de Salinas, litoral do Pará, com a câmera presa ao carro, e ela vai de barraca em barraca atrás do filho dela, encontrando anônimos que interagem com ela dentro do descontrole que a situação apresenta. Em todos os três filmes fiz a captação do som direto das sequências, atuando como o Técnico de Som Direto, profissão que exerço no cinema desde de 1988. O argumento de que a sonoridade, sendo essa sonoridade não somente a voz, mas também todos os elementos sonoros da cena, captada na hora da ação filmada, o som direto, afeta e legitima a narrativa cinematográfica (Câmara, 2019) ressalta uma obviedade teórica que é esquecida e desafiada o tempo todo na realidade prática dos sets de filmagem. Entendendo que existe um longo processo de edição e mixagem até que o som o qual captei seja exibido, atesto que é com uma boa captação de som direto, captação essa que exige criatividade, empregada juntamente com tecnologia, que os filmes produzem interações no espaço sonoro onde os personagens estão inseridos, sendo o espaço cênico tão significante quanto as palavras que os atores expressam nos diálogos (Câmara, 2019). Nos exemplos que trago muitas das vezes é o silêncio, que tem corpo e peso, o elemento de maior importância dramática pois dimensiona e posiciona os personagens ficcionados dentro de lugares reais, imprimindo a ideia de uma veracidade espacial e oferecendo elementos para que o contrato audiovisual (Chion, 1995) seja expandido. Interessa-me fazer pela produção de conteúdo do som direto que gravo nos filmes que sou convidado, em conjunto com a minha atividade acadêmica, a ponte entre a prática e a teoria. As situações de captação sonora de sequências ficcionadas aqui analisadas sugerem pela sua relação com o gênero documentário, através do conceito que chamo de descontrole, uma aproximação ao ideal de uma estética amadora que surgiu recentemente. Sem necessariamente serem polos equivalentes, mas complementares, os elementos amador e descontrole ampliam conceitos que foram definitivamente incorporados a realidade sonora do cinema, trazendo possibilidades de representar o som como um múltiplo objeto, sem a necessidade de ter inteligibilidade como foco da ação. A representação do anônimo aqui trazida embasa a experiência sonora como fundamental na construção dos efeitos de realidade que o cinema pretende. |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick. (org.). Sound Theory, Sound Practice. New York: Routledge,1992. |