ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | A fuga das imagens na geopoética da lama |
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Autor | Camilo Soares |
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Resumo Expandido | Buscamos nesse trabalho a comunicação entre o conceito yanomani de fuga das imagens e a geopoética da lama, para entender a riqueza expressiva da substância plástica da lama/barro para expressar a realidade brasileira. Partimos da capacidade da lama de, ao mesmo tempo, ser índice de várias consequências da crise ambiental e social (destruição de florestas e rios, alagamento, desmoronamento de encostas, falta de saneamento e asfalto, moradias em palafitas, genocídio de povos originários e ribeirinhos, etc.), desnaturalizando, assim, o racismo ambiental que as acompanha, além de apresentar a capacidade estética de propor reflexões, mudar sensibilidades, angariar consciências e instigar ações. Dessa forma a leitura de tal substância se torna ambivalente, partindo da negatividade de sua indicialidade e simbologia para encontrar a positividade de poder expressar resistências, memórias e mudanças. Na cinematografia, esse princípio estético pode se tornar uma possibilidade estética interessante para integrar um olhar político na expressão do real. Ao denunciar a violenta crise ambiental trazida pelas máquinas do desenvolvimento, que transforma árvore em capim e rios em córregos lamacentos, Davi Kopenawa, seguindo o pensamento yanomani, relata que até as imagens dos bichos fogem enfurecidas para longe, dando à estética um importante papel regulador para a relação entre ser humano e natureza. Tal visão encontra a geopoética da lama quando alia, como esta, uma visão fenomenológica que rompe com o dualismo moderno ocidental entre ser humano e natureza para reavaliar a materialidade na lama como forma de vivência imanente e subjetiva. Nas imagens de um filme, tal conceito estético pode atuar como um ponto de tensão entre situação social e estresse ambiental, ultrapassando os limites da ilustração e do mero simbólico para propor uma experiência política de estar no mundo. Para Davi Kopenawa, a contemplação das imagens é, portanto, fundamental para se estabelecer o elo direto e ininterrupto entre ser humano e mundo. Na crise atual causada pela separação entre humano e natureza, Kopenawa lembra que a perda da essência de pertencimento com a natureza e o contato direto com nossos espaços é também a perda das imagens dos seres que compõem a essência do mundo, o que, de certa forma, desobjetifica o status da imagem, retirando-a de um estado de passividade: “A caça morreu ou fugiu para bem longe, nas serras. […] As imagens desses bichos, enfurecidas, fugiram para longe de lá, chamadas de volta pelos outros xapiri.”. (Kopenawa & Albert, 2015, p. 469) Ao expressar o rompimento com essa cosmologia, a imagem cinematográfica encontra na lama de alagados e mangues rastros dessas imagens fugidias, assim como sinais dessa possível revolta e autonomia através da estética e sua expressões culturais, psicológicas e históricas. Ao abordar através de enquadramentos, volume, textura e luz a câmera expõe tanto sua vasta simbologia como a plasticidade de sua substância, a fotografia de filmes pôde encontrar a violência do subdesenvolvido buscado por Glauber Rocha, como potência política do devir, amarrando política e estética ao se afastar do exotismo e do pitoresco (Rocha, 1965, p. 1). Dessa forma, buscaremos aqui abordar a relação da riqueza semântica e plasticidade da geopoética da lama em contato com a visão dinâmica da tradição yanomami em relação à imagem e à contemplação, buscando compreender como essa mudança de leitura sobre a imagem imagem, nessa perspectiva autônoma e revoltada, pode acrescentar ao cinema uma força expressiva e criadora de significados. Portanto, buscamos também observar como o cinema pode traduzir, através da direção de fotografia, uma forma política e decolonial de retratar a complexidade brasileira a partir da potência criadora e transformadora da lama, diante da perspectiva dessa imagem-sujeito. |
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Bibliografia | CASTRO, Josué de. (1967) Homens e Caranguejos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. |