ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | TRANSCRIAÇÃO COMO DISPOSITIVO PARA ESCRITA DE ROTEIROS |
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Autor | Cíntia Langie Araujo |
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Resumo Expandido | A presente comunicação apresenta o dispositivo da transcriação como estratégia didática para aulas de roteiro: escrever transcriando com marcadores narrativos de uma obra já pronta. Para tanto, a pesquisa agencia ideias e conceitos da poesia (irmãos Campos, 1968); da filosofia (Deleuze, 2005 & Preciado, 2019) e do cinema (Rodrigues, 2014). Tal proposta surge do desejo de pensar o processo de criação a partir de uma prática de transpassar obras de referência, com um arredor de diferença, por isso chamamos “transcriar”. O prefixo TRANS remete ao contemporâneo, a vontade de fazer poesia com os corpos – a ideia de inventar outros modos de existir para além das normatividades. Para Preciado (2019), a fabricação de um outro regime do desejo inicia com a desconstrução. É isso que nos interessa no ensino de cinema: inaugurar uma condição de possibilidade de fazer variações. Transitar entre moldes e singularidades, numa fabricação de outros modos: modos de desejo – modos de escrita. O dispositivo da transcriação, inaugurado por nós nas disciplinas de Roteiro da UFPel, pressupõe inicialmente uma curadoria atenta, que vasculhe curtas-metragens de ficção com algum aspecto inovador em sua estrutura narrativa. Curadoria atenta também a filmes de temáticas emancipatórias, com inspiração nas provocações de hooks (2019) e Davis (2017). Depois, investe em realizar a engenharia reversa: analisar a obra com os estudantes e elencar esses marcadores narrativos disruptores, principalmente algumas modulações frente ao padrão clássico de contar histórias. Dessa varredura, surgem as balizas, os limites e a proposta de uma escrita – uma tradução – dentro dessa mesma singularidade estética. Um ponto motivador de tal dispositivo advém de lecionar em um Centro de Artes, junto às áreas de Música e Teatro, nas quais costuma-se começar transcriando com outras obras e artistas. No cinema, comumente, já partimos para histórias originais, sem às vezes beber de repertórios ou sem construir um arcabouço de referências. Desse modo, a pesquisa rodeia a cerne questão: como um processo criativo desencadeado pela análise de obras com estruturas inovadoras pode oferecer caminhos de aprendizagem no que se refere a escrita de roteiros? Transcriação é um termo bastante utilizado no campo da poesia concreta, sobretudo nas teorizações de Haroldo de Campos (2004), para designar um processo de tradução que se caracteriza por ser criativo. “Traduzir é reinventar. Sua meta é criação” (Campos, A. & Campos, H., 1968, p. 3). A transcriação, para os irmãos Campos, se refere a um processo que se subdivide em três aspectos: trata-se de uma crítica, uma criação e uma tradução. Na nossa proposta, trata-se de crítica - análise e engenharia reversa -; também uma espécie de tradução - recriar a mesma estrutura - e uma criação - preencher essa estrutura com nova temática, novos personagens e eventos. Quando fala especificamente do cinema, Deleuze (2005) diz que a criação pressupõe um certo vazamento - criar é também inventar um novo jeito de resolver problemas, encadear imagens e sons, contar histórias a partir de um mundo inconfundível. Este mundo é criação da(o) artista, mas para gerar a engrenagem que faz o motor da trama funcionar, muitas vezes, é possível roubatilhar e transcriar com estruturas de referência. A roteirista e escritora Sonia Rodrigues (2014) defende que uma autoria em roteiro tem a sua disposição um repertório de situações e estruturas. Para ela, o processo de desenvolvimento de uma história precisa de técnica, e esta pode surgir da inspiração em outras obras. A escolha pelo livro de Sonia deriva da vontade de arejar a bibliografia, transgredir os manuais de roteiro escritos por homens brancos estadunidenses. De toda essa mistura conceitual, surgem exercícios livres de aula. Alguns resultados desse processo de aprendizagem serão compartilhados durante a apresentação no congresso, com uma análise mais aprofundada sobre a experiência prática do transcriar. |
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Bibliografia | Campos, A., & Campos, H. Traduzir & trovar (poetas dos séculos XII a XVII). São Paulo: Papyrus, 1968. |