ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Constelação Coutinho: desvelar o lugar de escuta dos cineastas |
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Autor | Claire Allouche |
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Resumo Expandido | Nos últimos anos, o lugar de fala dos cineastas tem assumido uma importância considerável na compreensão da ligação entre o contexto de produção e a criação de uma forma fílmica singular baseada num olhar situado. Embora achamos importante ter isto em consideração, não queremos que determine excessivamente o diálogo com os filmes, particularmente em termos de análise, uma vez que estes últimos são uma forma de arte colaborativa e permanecem suscetíveis às influências da realidade. Além disso, como salienta Érico Oliveira de Araújo Lima com a noção de “avizinhamento” (2017), toda a criação fílmica, na medida em que abraça uma parte da realidade, é um processo contínuo, implicando a travessia da distância entre o realizador e os seus protagonistas, que tanto os separa como os aproxima. A partir daí, consideramos urgente refletir sobre o que pode ser um "lugar de escuta" do cineasta na produção documental, rascunhando uma definição precisa e aberta, graças as virtudes da abordagem comparativa. Em poucas palavras, temos a intuição de que este "lugar de escuta" se distingue do "ponto de escuta" na medida em que não se trata simplesmente de localizar "de onde" se capta o discurso dos protagonistas filmados e como são escutados, suscitando uma escuta peculiar de parte dos espectadores. De acordo com a disposição do cineasta e da sua equipe, de acordo com o modo de interação estabelecido pelo diretor, o "lugar de escuta" criaria uma escuta cinematográfica mais ampla, para que surja um momento de filmagem em comum com os protagonistas, um espaço-tempo fílmico compartilhado que tumultua a pressuposta fronteira entre entre o que está sendo filmado e quem está filmando. Acreditamos que o "lugar de escuta", nas suas múltiplas formas, instiga a possibilidade do filme tanto quanto imprime a sua forma, que o cineasta interage com os protagonistas ou não, que o cineasta forme parte do quadro ou tente se torna invisível. Em Corps et cadre. Cinéma, éthique, Jean-Louis Comolli defende que não pode haver discurso no cinema sem escuta. “Seria melhor chamar o cinema 'falante' 'escutado'”, escreve Comolli. Ele acrescenta que pela realização de documentários: “O cineasta não é apenas aquele que 'vê'. Ele é, antes de mais, aquele que ouve. É também aquele que é visto por aqueles que filma. Escutar os outros. A retirada. Deixar o outro tomar conta, ocupar o espaço, moldar a mise en scène, investir no desejo de fazer um filme. Filmar o trabalho do outro". Devemos estas intuições preliminares ao cinema de Eduardo Coutinho. É por isso que nos parece essencial voltar ao seu cinema, muitas vezes estudado pela encenação da palavra falada, raramente questionando a disposição de escuta do cineasta. A nossa primeira etapa comparatista terá, portanto, como objetivo estabelecer a singularidade do "lugar de escuta" de Eduardo Coutinho em relação aos protagonistas filmados, principalmente os seus títulos estruturados por entrevistas (Edifício Master, As canções, Últimas Conversas, nomeadamente). Para isso, vamos olhar para as variações e evoluções do seu "lugar de escuta", recusando fazer dela uma noção fixa e homogênea. De seguida, veremos como este "lugar de escuta" coutinhesco pode ser usado para explorar toda uma gama de cinema documental falante e escutado, mesmo para filmes que não estabelecem nenhuma genealogia com o cineasta brasileiro. Neste caso, a abordagem comparativa nos permitirá iluminar uma compreensão sensível da dimensão relacional das formas fílmicas. Nos centraremos em Three Lives (1971) de Kate Millett e Numéro zéro (1971) de Jean Eustache, bem como em filmes contemporâneos de Nurith Aviv e Kazuhiro Soda, mostrando quanto e como esta preocupação com o "lugar de escuta" é reformulada e deslocada de uma época para outra, de um contexto cultural para outro, e quanto, mesmo inconscientemente, mesmo anacronicamente, a presença da escuta de Eduardo Coutinho paira sobre a nossa recepção destes filmes. |
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Bibliografia | • Jacques AUMONT (org.), Pour un cinéma comparé: influences et répétitions, Cinémathèque française, 1996. |