ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | O monólogo variável no cinema de Julio Bressane |
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Autor | Lennon Pereira Macedo |
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Resumo Expandido | Este trabalho é expressão de uma tese em andamento que busca construir um conceito de conversação cinematográfica na transversalidade entre o construcionismo de Gilles Deleuze e Félix Guattari, a intersemiótica de orientação pragmática de Haroldo de Campos e Décio Pignatari e o pensamento de Júlio Bressane, tal como expresso em suas obras escritas e filmadas. Avaliamos aqui um dos componentes do conceito, uma ideia em cinema que posiciona a conversação como monólogo variável. Nos filmes bressaneanos os corpos não se abstêm de narrar em primeira pessoa, há um Eu e um Nós, mas essa forma expressiva não revela nenhuma psicologia, o relato sobre o acontecido não produz encadeamentos futuros. Percebe-se nestes blocos cinematográficos uma operação de dissolução dos sujeitos da conversação num mesmo monólogo variável, de modo que a alternância de falas entre as personagens não toma a forma da troca de opiniões e disputa por sentidos, mas sim de um rodízio de recitação. Assim, as personagens são meras funções de verbalização do mesmo texto, não há divisão de um todo em partes assimétricas, mas modulação de um todo aberto e múltiplo que se diferencia de si atualizando-se em distintos atos de fala. Em meio aos manuais de roteiro e ao campo dos estudos de roteiro há uma figura óbvia que poderia traduzir a conversação: o diálogo. Este, contudo, poucas vezes é pensado como algo estruturante da narração, menos ainda como uma forma que poderia organizar o relato narrativo. Se tomamos dois dos principais manuais de escrita de roteiros, Manual do roteiro (FIELD, 2001) e Story (MCKEE, 2006), percebe-se por vezes que há, inclusive, certa ojeriza para com o diálogo, uma recusa em conceder a esta figura qualquer proeminência narrativa: “O melhor conselho sobre escrever diálogo para filmes é não escreva. Nunca escreva uma linha de diálogo quando puder criar uma expressão visual” (MCKEE, 2006, p. 367). O diálogo, nesse ínterim, estaria a serviço da visualidade cinematográfica e teria o dever de induzir ou fomentar a visão. Ocorre ainda que a imagética desejada pelos manuais de roteiro está orientada por uma série de princípios e funções que estruturam o texto e consequentemente os diálogos. Chion (1989, p. 101-102) enumera as funções delegadas ao diálogo pelos manuais, e que podemos sintetizar em: função informativa, função catalisadora (move a história adiante), função reveladora (exibe o que estaria escondido, emoções especialmente), função comentadora (complementar a ação), função caracterizadora (da personagem), função verossímil. A partir disso, perceberemos que as conversações bressaneanas não fazem outra coisa que desmontar essas funcionalidades narrativas, assujeitadoras e informacionais. A análise será traçada a partir de blocos extraídos de Filme de amor, Sedução da carne e A longa viagem do ônibus amarelo, todos dirigidos por Julio Bressane (este último codirigido por Rodrigo Lima). Discute-se, então, como o diálogo volta-se contra a personagem quando se torna um monólogo variável, fazendo dos corpos enunciantes formas de atualização do mesmo texto. Se há cenas em Filme de amor em que o texto é indicado, há outras de Sedução da carne em que o texto é explícito, a conversação tornada um longo ato de leitura. Em A longa viagem do ônibus amarelo, radicaliza-se o procedimento pois já não há mais conexão visual-sonora entre corpos que narram e vozes que circulam, dando centralidade à corporeidade vocal de uma conversação que esqueceu suas personagens e corre singularmente entre signos audiovisuais. Por fim, entendemos que essa diacronia intensiva de blocos, partindo das conversações mais próximas às mais distantes da personagem revela uma tendência conversacional a dissolver o sujeito, a desassujeitar-se, fazendo dos corpos falantes meros efeitos de conversação. |
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Bibliografia | BRESSANE, J. Alguns. Rio de Janeiro: Imago, 1996. |