ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Refletindo sobre processos de criação: Dálmata |
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Autor | Andrea França Martins |
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Resumo Expandido | Dálmata (2024) é feito a partir dos arquivos da família do ex-presidente militar Ernesto Geisel (1974–1979). Ele extrai dos documentos iconográficos e dos cinejornais do Arquivo Nacional uma personagem específica, a filha do ex-presidente, Amália Lucy Geisel. Na lida com as imagens do acervo do Cpdoc (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas) , vendo, revendo e selecionando imagens e episódios históricos, me chamou atenção que Amália Lucy, uma mulher na faixa dos 30 anos, buscava se apagar nos registros públicos e políticos do governo de seu pai: de costas para o fotógrafo, na lateral da imagem, de cabeça baixa ou até mesmo agachada ao lado do pai e da mãe. A reiteração desse “motivo visual” funcionou como primeiro gatilho para o roteiro. Trabalhar a montagem do arquivo Geisel de modo a extrair essa mulher do fundo da cena - história, documental e iconográfica - para trazê-la para o primeiro plano cinematográfico. Ela tornou-se a personagem do filme. Porém, o curta não se propõe a contar histórias sobre a personagem Amália Lucy, fazer uma espécie de biografia a partir de suas entrevistas, mas criar novos sentidos para o lugar dela ( Johann, p. 43, 2015) enquanto filha de militar, professora e mulher dedicada ao trabalho no setor cultural. Por meio de sons, imagens, documentos escritos, edição e perguntas lançadas à personagem, o curta busca extrair de uma massa de documentos ‘sem imaginação’ (Claude Lanzmann citado por Didi-Huberman, 2020), histórias de uma mulher envolta no esquecimento e no silenciamento (Solnit, 2021). Como fazer um filme das “mulheres na história” a partir de arquivos militares? No meio do processo de pesquisa/roteiro/montagem, entendo que o curta é também sobre a realizadora, filha de militar. É uma fotografia da família Geisel com os cachorros pastor alemão e dálmata que funciona como o segundo gatilho do roteiro. Uma imagem que dispara memórias da infância em Curitiba, das vilas militares do sul do Brasil, dos cães, do quartel, das casas perfiladas. Os gestos de roteirizar e de montar o material vão se revelando não apenas simultâneos mas, sobretudo, um modo de descobrimento – e não apenas de conhecimento fruto da pesquisa. Um modo de descobrimento, vale enfatizar, que tem a ver com o material investigado, o detalhe imperceptível que ganha pregnância (Arasse, 2019), o desejo que mobiliza a feitura do curta, as memórias em jogo (do material de arquivo trabalhado e da realizadora). |
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Bibliografia | Arasse, Daniel. Nada se vê: seis ensaios sobre pintura. São Paulo: ed 34, 2019. |