ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Estrutura de detritos: poesia concreta e cinema marginal |
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Autor | Alexandre Wahrhaftig |
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Resumo Expandido | Alguns dos procedimentos estéticos da poesia concreta, explicitados em textos sobretudo do grupo Noigandres, reverberam com força em certos filmes do cinema brasileiro. A comparação entre cinema e poesia nos permite investigar os trânsitos entre tais linguagens artísticas dentro do contexto específico da estética "marginal" de nosso cinema. Podemos constatar, de saída, certa proximidade entre poetas e cineastas. Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, por exemplo, conviveram com os irmãos Campos – Bressane (2010) comenta que Rogério já "frequentava" o poeta Augusto de Campos desde 1964 – e com eles compartilhavam interesses comuns (por exemplo, nas ideias de Oswald de Andrade). Além disso, há depoimentos que marcam a influência direta da poesia concreta no cinema, como é o caso do montador Ricardo Miranda (Gardnier et al., 2005), que afirma ter se inspirado na poesia concreta para construir certas sequências de A idade da terra (1980), de Glauber Rocha – filme cuja estética dialoga profundamente com o espírito do cinema marginal. Porém, podemos ir além das conexões lastreadas por depoimentos e vínculos sociais, e nos debruçar diretamente na estética dos filmes. Um primeiro procedimento comum à poesia concreta e ao cinema marginal que aqui nos chama a atenção é o trabalho com detritos e restos, um interesse que Haroldo de Campos nota na obra do artista Kurt Schwitters feita de um material re-encontrado no "despejo linguístico" do mundo – um "amontoado residual de frases feitas, locuções dessoradas, ecos memorizados de anúncios, citações" (Campos, 1969, p. 36). Nos objeto-poemas conhecidos como Popcretos dos anos 1950, os poetas concretos materializaram didaticamente esse procedimento estético descrito por Campos. Anos depois, no cinema brasileiro, a "estética do lixo" parece re-elaborar essa ideia em sua "justaposição de resíduos" (Xavier, 2004, p. 73), em montagens que tanto abusam de citações e referências (repetições intertextuais) quanto exploram os retornos materiais do filme sobre si próprio (repetições intratextuais). Em um filme como "O pornógrafo" (1970), de João Callegaro (montado por Sylvio Renoldi, montador de O bandido da luz vermelha, de Sganzerla), encontramos justaposições entre cenas do ator Stênio Garcia com pedaços de película de outros filmes – uma justaposição que reforça a paródia e o sentido de colagem, literal, de resíduos. Em segundo lugar, há uma forte vontade de estrutura na poesia concreta. Décio Pignatari (1975, p. 40) chega a falar em vontade de "arquitetura"; e Haroldo de Campos (1975, p. 93) fala em uma "estrutura matemática", que rejeita a estrutura orgânica presente em poemas do "tipo palavra-puxa-palavra". Sobretudo em Bressane, encontramos essa força da estrutura, a qual, poderíamos dizer, sobrepõe-se ao cinema dramático-narrativo do tipo "cena-puxa-cena" e revela-nos um cinema, como diz Ismail Xavier (2012, p.56) "com espírito de geometria". Novamente, será através de repetições formais, repetições na montagem, que tal noção de estrutura se cristaliza. Talvez a forma mais evidente com que tal estrutura se cristalize é a do jogo de permutação. Haroldo de Campos escreveu no famoso ensaio "A arte no horizonte do provável" que a técnica da permutação produz poemas abertos ao acaso, distante dos valores eternos da arte clássica. Em algumas sequências de A idade da terra encontramos tal técnica compositiva, mas será no filme Memórias de um estrangulador de loiras (1971) de Bressane que ela será levada mais longe em nosso cinema. O curioso a se notar, porém, é que se na literatura a composição por permutação parece ter permitido a criação de palavras ou frases ao acaso, no filme de Bressane, parece que o acaso foi expulso da obra. Nos encontros entre poesia concreta e cinema, muitas vezes um mesmo procedimento produz efeitos bastante distintos, quando não opostos. O que dizer, por exemplo, do valor de "comunicação" tão prezado pela poesia concreta e posto em xeque pelo cinema marginal? |
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Bibliografia | BRESSANE, Julio, Uscire da sé, la forza aborigena del cinema. Intervista a Julio Bressane di Simona Fina e Roberto Turigliatto, in: FINA, Simona; TURIGLIATTO, Roberto (Orgs.), Julio Bressane, Torino: Torino Film Festival, Associazione Cinema Giovani, 2002, p. 233–323. |