ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Documentário autobiográfico, mobilidade reduzida e cineastas PcD |
|
Autor | Gabriel Kitofi Tonelo |
|
Resumo Expandido | Narrativas autobiográficas realizadas por cineastas PcD ou por cineastas com deficiências de locomoção vêm recebendo atenção na cultura audiovisual recentemente. Essas narrativas passam a figurar no universo do cinema documentário a partir da década de 2010, e nos últimos anos, ganham tração a partir do lugar de destaque no circuito de festivais e em janelas dedicadas à exibição de material não-ficcional a um público mais amplo, tanto no Brasil quanto em outros países. É o caso de filmes como “Meu Nome é Daniel” (Daniel Gonçalves, 2019), “I Didn’t see you there” (Reid Davenport, 2022) e “Eat Your Catfish” (Noah Arjomond e outros, 2021). Os filmes proporcionam visibilidade à experiência cotidiana desses cineastas e buscam conscientizar questões relativas à acessibilidade de corpos diversos. Abordarei de que maneira a exploração da fisicalidade/corporeidade apresenta-se no ímpeto autobiográfico em cada filme, diante da tematização da experiência vivida a partir do meio fílmico. Em “Meu Nome é Daniel”, Daniel Gonçalves explora a corporeidade como parte do senso de autodeterminação incorporado pelo filme. É importante que vejamos seu corpo diante da lente da câmera – seja nos momentos de sua infância ou contemporaneamente à feitura do filme – e escutemos à sua voz em over. É possível vê-lo praticar atividades cotidianas, ou performar atividades que buscam desafiar sensos comuns restritivos. Reid Davenport, de “I Didn’t see you there” apresenta deficiências de locomoção e fala. É diagnosticado com paralisia cerebral e, diferente do cineasta brasileiro, locomove-se com o auxílio de uma cadeira de rodas motorizada. O filme consiste em uma exploração do cotidiano de Davenport que é deflagrada a partir da instalação de uma tenda de circo na frente de sua casa. Filmar do ponto de vista de seu corpo na cadeira de rodas, para Davenport, é uma maneira de proporcionar de uma experiência de mundo distinta daquela vivida pelas pessoas que se locomovem com os corpos eretos. Davenport não mostra seu próprio corpo ou rosto ao longo da narrativa. Em entrevistas, o cineasta sugere que a exploração de sua própria imagem em frente à lente da câmera rumaria na direção de um voyeurismo em relação a corpos diversos da qual o cineasta quer se distanciar. Já o teor autobiográfico de “Eat Your Catfish” apresenta uma característica particular, se comparado aos outros dois filmes mencionados. Isso deve-se ao fato de o filme colocar como centro o cotidiano de Kathryn Arjomand, uma residente de Nova Iorque acometida pela esclerose lateral amiotrófica (ELA) já em estágio avançado. No momento da realização do filme, o corpo de Kathryn está restrito à cadeira de rodas e ela está impossibilitada de movimentar de maneira autônoma seus membros, ainda que as faculdades da mente estejam preservadas. Ela comunica-se com os membros de sua família através do movimento de seus olhos e com o amparo de dispositivos eletrônicos de geração de fala (Tobii), ou, alternativamente, com um diagrama translúcido que exibe letras em quadrantes distintos e que possibilita a interpretação por seus familiares de palavras e falas. A narrativa é composta a partir do ponto de vista de uma câmera grande angular posicionada pelo filho, Noah , no encosto de cabeça da cadeira de rodas de Kathyrn. É o filho quem assina a direção do filme, apesar de entendermos Kathryn como protagonista. O olhar para a família Arjomand é possibilitado a partir do registro dessa câmera fixa, dia após dia, e posteriormente narrativizado a partir de um total de 930 horas de material bruto. “Eat Your Catfish” permite a reflexão sobre fronteiras do desenvolvimento autobiográfico e da incumbência do direcionamento fílmico a terceiros diante da imobilidade do corpo. Assim como nos filmes de Daniel Gonçalves e Reid Davenport, trata-se de uma maneira de explorar a corporeidade para fins narrativos e políticos, no qual as particularidades de uma experiência física transpõem-se ao modo de feitura do filme. |
|
Bibliografia | BRYLLA, Catalin e HUGHES, Helen (orgs). Documentary and Disability. Londres: Palgrave MacMillan, 2017. |