ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Diário de uma catástrofe: Belém-Brasília- Transamazônica (1973) |
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Autor | Mariana Lucas |
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Resumo Expandido | Em 1973, o cineasta Jorge Bodanzky realizou uma jornada cinematográfica ao atravessar as principais rodovias que conectam a região norte do Brasil ao resto do país. Utilizando uma câmera Super-8, Bodanzky registrou imagens ao longo das estradas Belém-Brasília e Transamazônica. O projeto que posteriormente deu origem ao filme Iracema uma transa amazônica (1974), apresenta o testemunho de um território em transformação, nas imagens uma paisagem sufocantemente terrosa emerge, cheia de caminhões e colonos vagando na beira da estrada com suas famílias e bagagens. A paisagem em transformação torna-se o eixo de estruturação do filme em questão, não enquanto cenário de um futuro possível, mas como testemunho de uma catástrofe. As imagens indicam um mundo em transformação: carros, caminhões, estrada, não há unidade possível, tudo se movimenta de maneira rápida e inegociável. O uso constante de zoom in e zoom out, reforçam a impossibilidade de capturar o território, seja por meio dos esforços dos trabalhadores em domar a paisagem, ou do próprio cineasta, em enquadrar a imensidão do território. Assim, é possível identificar no diário-filme de Bodanzky um opaco testemunho em relação à política de imagens durante o regime militar. Por um lado, as imagens evocam a expressão do consenso civil na construção do "Brasil Grande", um suposto futuro que se tornava realidade durante os anos do milagre econômico. A ocupação da Amazônia, não deixava dúvida quanto ao êxito dos militares. No entanto, essas mesmas imagens aparentemente "trêmulas" e "desorientadas", explicitam, neste gesto, o aspecto grotesco do projeto de colonização da Amazônia, a partir de uma imersão sensorial, e não dramatúrgica, o registro cinematográfico paira em meios aos fragmentos que buscam dar conta de um violento processo de ocupação. A errância fragmentada da câmera através das principais rodovias de integração da região norte, exibe um desfile de paisagens em disputa criadas pelo modelo desenvolvimentista. O registro refratário sobre a superficie de uma paisagem em tranformação, onde o garimpo, a prostituição, as queimadas assumem o centro de uma imagem antes ocupada pela floresta, mostra aquilo que há demais predatório e contraditório no modelo de ocupação adotado pela ditadura militar na região. Há uma quebra de unidade no território que a câmera busca ocupar, todo um novo campo de relações se revela diante da câmera: estéticas, políticas e territoriais. Não há cenas, talvez nem mesmo planos sejam capazes de habitar esse espaço em dissolução. É possível identificar no filme em questão um gesto inaugural que dará o tom no filme de 1974: um horizonte marcado por uma recusa, não há instância organizadora, cada corte, confirma irreparável da história, um presente de depredação que coloca em suspenso um projeto de futuro. A Amazônia se fragmenta, quadro a quadro, quilometro a quilometro. A perda de referências na paisagem refratária capturada pela super-8 é um prenuncia da convicção fatalista que a jovem Iracema, protagonista do longa metragem, irá anunciar: "meu destino é correr mundo". O atravessamento das rodovias no diário-filmado apresenta-se não como a completude de um trajeto, mas, sobretudo, como resíduo de uma condição de existência que só é possível no vagar lacunar do desenvolvimentismo. |
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Bibliografia | BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. |