ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Devemos queimar Imperial? - "As delícias do sexo", um filme sadiano |
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Autor | Daniel P. V. Caetano |
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Resumo Expandido | Desde o princípio da sua carreira de cerca de três décadas, Carlos Imperial definiu sua persona pública por características como a crítica ao elitismo cultural, o deboche e a autoimagem irônica de cafajeste. Em 1980, já na fase final da ditadura militar no país e no auge do período das pornochanchadas, Imperial filmou e lançou nos cinemas “As delícias do sexo”. Este filme de notável sucesso nas bilheterias apresenta em seu enredo uma orgia repleta de cenas que excedem despudoradamente determinados limites morais, com episódios de racismo e de tortura envolvendo abuso sexual. Admirador assumido de Pasolini, Imperial neste filme realiza um filme que retorna ao modelo do Marquês de Sade para, tal como o cineasta italiano havia feito com o fascismo, retratar as pulsões mórbidas que caracterizavam aquele período histórico. Entretanto, se Pasolini filmou o enredo de Sade sob a crítica realista, evidenciando a pequenez ridícula dos senhores, Imperial retrata de dentro o sadismo daquela sociedade que era complacente em seu cotidiano com aquelas práticas moralmente indefensáveis. Seu filme apresenta estas cenas numa perspectiva cúmplice e entusiasmada, exatamente como são as narrativas mais radicais de Sade (como o próprio “Os 120 dias de Sodoma”). Desde o seu título “As delícias do sexo” – que, vale repetir, foi bastante bem-sucedido comercialmente em seu lançamento – promete ao espectador um desfile de cenas recheadas de erotismo no tom risível das pornochanchadas, sem qualquer conotação de crítica moral. O título desta apresentação remete ao texto clássico de Beauvoir em torno das questões provocadas pelo relançamento da obra de Sade. Neste texto, a autora termina por defender que o maior valor das obras de Sade é sua capacidade de nos inquietar. Como ela observa: “O mérito de Sade não está apenas em ter gritado bem alto o que cada qual se confessa envergonhadamente: está em não ter tomado partido. Contra a indiferença escolheu a crueldade. Por isso, sem dúvida, encontra tantos ecos hoje, em que o indivíduo se sabe vítima menos da maldade dos homens do que da boa consciência deles; é vir em seu socorro iniciar a demolição desse terrificante otimismo.” Entre outros pensadores que analisaram a obra de Sade, a leitura de Bataille apontou que as narrativas do autor obrigavam os leitores a uma prova de força, desafiando a sua capacidade de suportar horrores. Podemos relacionar esta herança (diluída, sem dúvida) a um largo conjunto de filmes contemporâneos que buscam apresentar uma espécie de mal-estar social e a levar os espectadores a refletir sobre limites morais. Entretanto, vale notar que a mise en scène proposta no filme de Imperial é muito distante do estilo neo-naturalista comum a boa parte deste chamado cinema do mal-estar: praticamente toda a narrativa se passa numa orgia no espaço fechado de um clube, uma espécie de mundo paralelo cinematográfico. O filme se confunde deliberadamente com uma orgia indicando que, em ambos, quem determina a mise en scène tem o poder de impor as regras a serem seguidas – ou seja, a perspectiva hegemônica. Neste espaço cênico pretensamente orgiástico, “As delícias do sexo” nos força a encarar as perversões da sociedade brasileira daquele período, pulsões mórbidas ainda vivas e presentes no nosso cotidiano. Esta comunicação pretende retornar a esta obra para propor uma reflexão sobre o retrato destas pulsões e sobre a atualidade dos conflitos que o filme apresenta sem pudores. |
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Bibliografia | ARAÚJO, Inácio, Cinema de boca em boca – escritos sobre cinema (org. TOSI, Juliano). São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. |