ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Arquivamentos do popular no documentário musical brasileiro |
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Autor | Diogo Silva da Cunha |
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Resumo Expandido | Esta proposta parte de uma pesquisa sobre os modos como o documentário musical brasileiro lida com a memória da cultura popular, valorizando determinadas manifestações musicais e sujeitos como dignos de serem preservados. Seu método de inspiração arqueológica (Santaella; Ribeiro, 2017) compara filmes atuais com filmes de outros momentos marcados pelo impulso de preservação. Para este trabalho, considerou-se dois destes momentos: o primeiro envolve as performances musicais gravadas em 1938 pela Missão de Pesquisas Folclóricas organizada por Mário de Andrade; o segundo compreende quatro curtas realizados por Leon Hirszman - a trilogia Cantos de Trabalho (1974-1976) e Partido Alto (1976-1982) – e o curta Congo (1972), de Arthur Omar. Propõe-se abordar o documentário musical como forma particular de tecnologia de arquivamento. As teorias sobre o arquivo mostram como seu funcionamento baseia-se na referência a uma origem que precisa ser protegida, na organização dos conteúdos sociais dentro de uma hierarquia de valores e no poder de instituir sentidos para estes conteúdos (Derrida, 2001; Mbembe, 2002). Por isso, supõe-se que a diferença entre os modos como os filmes em análise definem o popular e sua memória depende do modo como arquivam conteúdos culturais e os transformam em documentos de seu tempo (Lins; Rezende; França, 2011). Como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo entre 1935 e 1938, Mario de Andrade organizou expedições para registrar músicas populares com fins científicos e culturais (Menezes, 2020). Segundo Binazzi e Menezes, ele buscou “canalizar recursos públicos para acertar os ponteiros brasileiros com as tendências internacionais mais avançadas” (2020, p. 123-124). Tais tendências consideravam as gravações técnicas um recurso para preservar manifestações da cultura popular. Com a Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, o Departamento produziu alguns dos primeiros registros documentais da música no Brasil: 15 filmes curtos e 30 horas de músicas gravadas do nordeste e do norte do país (Sandroni, 2014). O crescimento da indústria de bens de consumo nos anos 1960/70 colaborou com a consolidação dos meios de comunicação de massa no Brasil. Realizados nesta época, os documentários musicais de Leon Hirszman compartilharam da preocupação de seus antecessores em preservar manifestações da música popular. Letreiros de Cantos de Trabalho: Mutirão pontuam que “a tradição do canto de trabalho coletivo no Brasil, onde influências indígenas se misturam às dos europeus e dos africanos, subsiste, com dificuldade, principalmente nos meios rurais” (1974, 01min16s). Já em Partido-Alto, Paulinho da Viola diz que “o samba tem hoje muitos compromissos que reduzem a criatividade dos sambistas aos limites ditados pelo grande espetáculo” (1976-1982, 20min56s). Segundo Reinaldo Cardenuto, Hirszman e outros cineastas do Cinema Novo mudaram sua relação com a representação da cultura popular diante do “fracasso do projeto político da esquerda nacionalista e com a crise das representações existentes na primeira arte do nacional-popular” (2020, p. 66). Abandonando a idealização de um futuro revolucionário, direcionaram suas câmeras aos “sintomas de uma sociedade em crise”. Neste contexto, os documentários de Hirszman tematizaram “a música como vínculo orgânico entre o povo e a sua comunidade” (Cardenuto, 2020, p. 49) e narraram o popular a partir da contradição com o espetáculo e com o progresso do capitalismo. Na mesma época, Arthur Omar apresentou o “antidocumentário” Congo (1972), filme crítico ao documentário cultural. Para Omar, em vez de representar conteúdos populares, interessava pensar os filmes como agentes no campo da cultura. Para ele, os documentaristas de então se preocupavam tanto com o registro transparente da cultura que ignoravam o filme “como instauração de um fato num contexto” (Omar, 1997, n.p.). Sua experimentação com Congo prenunciou novas articulações entre o popular e as potências da imagem e do som gravados. |
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Bibliografia | CARDENUTO, R. Por um cinema popular: Leon Hirszman, política e resistência. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2020. |