ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Mamá costurando feridas |
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Autor | Geisa Rodrigues |
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Resumo Expandido | Mamá (2022), primeiro longa documental do cineasta mexicano Chiapaneco, Xun Sero, é uma película dedicada à história da mãe do diretor, Hilda. Chiapas é uma região do sudoeste do México com grande contingente populacional indígena e também mundialmente famosa pelo levante zapatista da década de 1990 e pelas forças de resistência que ali se instauraram em comunidades autônomas. Não por acaso, grande parte das produções audiovisuais locais a partir desse período tematizam as disputas e enfrentamentos políticos na região. Mais recentemente, entretanto, os realizadores passaram a temas mais internos, mais íntimos, como afirma o próprio cineasta. Seguindo essa tendência, Mamá é uma obra que se volta intimamente para a vida de sua mãe, de origem Tzotzil, e também para um exercício de autoanálise e desconstrução do próprio cineasta. Estariam, assim, inaugurando uma nova forma de abordagem política e inserção por meio do audiovisual, envolvendo as subjetividades indígenas? Neste artigo pretendo observar como, a partir desta obra o diretor problematiza os efeitos da construção da masculinidade a que foi submetido durante sua infância e adolescência, a partir do olhar que imprime sobre a trajetória de sua mãe. Neste sentido, se desvelam formas de abordagem de questões de gênero que transcendem as epistemologias propostas pelos feminismos hegemônicos do ocidente (Espinosa, 2016). Parto da hipótese de que o filme lança mão de práticas descolonizadoras no audiovisual não somente sobre as intersecções femininas periféricas (mulheres, mães, trabalhadoras e indígenas) mas, sobretudo, sobre a masculinidade indígena, configurando, a exemplo do que sugere Rita Segato (2012), uma autonomia histórica dos povos para pensarmos relações de gênero. Considerando a presença de um tema pungente e delicado como a abordagem da violência a que é submetida a mulher indígena, trata-se também de um olhar que busca extrapolar binarismos, problematizando e trazendo à tona as relações comunitárias de gênero em sua complexidade. Desta forma, coloca-se em pauta um olhar autocrítico à masculinidade que se revela numa dobra: a tentativa de se desvencilhar de comportamentos em grande parte advindos das respostas dos corpos indígenas às influências e interferências do projeto colonial masculino e, ao mesmo tempo, de manter o vínculo comunitário desde esse lugar do homem indígena. Xun Sero expõe também em depoimentos o desejo de fazer com que as pessoas se identifiquem e se vejam na experiência daquela mulher. Entretanto, para além da visão da outra subalternizada e vítima da violência, busca promover uma conexão com o expectador por meio das sensações e depoimentos postos em cena. Não é à toa que reiteradamente em suas entrevistas fala sobre o esforço em não “revitimizar” sua mãe para que a força de sua experiência seja preservada. Isso se constrói no filme ao expor de perto as práticas cotidianas, os gestos, os diálogos e o silêncios. Aos poucos, hábitos e rituais vão sendo compartilhados: mãe filho cortando legumes na cozinha, Hilda preparando um ritual para o pai falecido, a devoção à virgem de Guadalupe, encontros com parentes e amigos. Com experiência em comunicação comunitária e outros trabalhos audiovisuais, o diretor articula práticas do jornalismo audiovisual e das narrativas de si a sua experiência particular de jovem tzotzil. A história de Hilda se atrela à história da comunidade, das condições de trabalho precárias, ao lugar das mães solteiras indígenas, aos afetos e encontros entre mulheres, às paisagens de Chiapas, à imagem da fumaça da lenha e a gestos como o de moldar uma massa de milho enquanto trechos sombrios de sua história são revelados com naturalidade. |
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Bibliografia | CURYEL, Ochy. La Nación Heterosexual. Análisis del discurso jurídico y el régimen heterosexual desde la antropología de la dominación. Bogotá: Brecha lésbica, 2013. |