ISBN: 978-65-86495-09-6
Título | Digitalização no Brasil: estímulo à conscientização ou à alienação? |
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Autor | Débora Lúcia Vieira Butruce |
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Resumo Expandido | O emprego da tecnologia digital vem possibilitando um entendimento por vezes equivocado sobre em que consiste, de fato, a digitalização e/ou restauração de um filme. Cherchi Usai traz algumas reflexões importantes logo no capítulo inicial da nova edição de Silent cinema, lançada em 2019. O autor argumenta que o filme Uma viagem à Lua (Le Voyage dans la lune, George Mélies, 1902), um dos mais aclamados trabalhos realizados no período silencioso, foi reproduzido em todos os principais formatos e mídias existentes, em tão grande escala que é impossível mensurar a quantidade de cópias que existem ao redor do mundo. Uma grande quantidade foi confeccionada com as mesmas técnicas utilizadas por Mélies no início de 1900, mas muitas delas foram destruídas ao longo dos anos. “Quanto mais voltamos no tempo, menos cópias remanescentes encontramos deste marco cinematográfico: pelo menos 25 arquivos de filmes, museus e coleções privadas têm cópias em 35mm ou 16 mm deste título, mas apenas uma cópia criada sob a supervisão direta do cineasta sobreviveu” (USAI, 2019, p. 6). Entretanto, Uma viagem à Lua está hoje por toda parte, disponível a partir de qualquer aparelho digital, das mais variadas formas, algumas delas substancialmente distantes do filme original. Usai ressalta que a “lacuna quantitativa entre a única cópia remanescente fabricada em 1902 e as bilhões de réplicas virtuais disponíveis atualmente é muito grande para ser ignorada” (Idem, p. 7). No século XXI, uma grande quantidade de pessoas terá acesso ao título pela primeira vez através de uma destas “réplicas”. Por um lado, a facilidade com que este acesso é feito digitalmente, amplia potencialmente a possibilidade de circulação do filme, mas a qual filme estamos tendo acesso? A qual Uma viagem à Lua estamos nos referindo? No Brasil, o impacto do barateamento de equipamentos de digitalização de filmes e a consequente diminuição dos custos de projetos de digitalização ou restauração digital, associados à redução dos preços de dispositivos de armazenamento digital, como discos rígidos externos, vêm sendo sentidos com mais intensidade sobretudo nos últimos anos. Títulos como A Rainha Diaba (Antonio Carlos da Fontoura, 1974), Iaô (Geraldo Sarno, 1976) e Durval Discos (Anna Muylaert, 2002) ganharam excelentes versões digitais em resolução 2K e 4K nos últimos dois anos, sendo que o último estreou em salas de cinema em novembro de 2023 e chegou a circular em mais de 20 cidades brasileiras através da Sessão Vitrine, projeto realizado pela distribuidora Vitrine Filmes e que nesta nova edição incorporou filmes de patrimônio em seu catálogo. Também podemos citar filmes de curta-metragem, como Recife de dentro pra fora (Katia Mesel, 1997), cuja nova versão digital em 4K foi exibida em algumas ocasiões junto de Retratos Fantasmas, filme de Kleber Mendonça Filho lançado em 2023. Apesar de ainda tímida, podemos notar uma maior presença de filmes brasileiros de patrimônio em circulação, tanto em festivais e salas de cinema quanto em plataformas de vídeo sob demanda. Dentro dessa dinâmica, é possível adotar critérios éticos que levem em conta questões históricas e estéticas originais das obras? Dado o descaso histórico com a preservação audiovisual no Brasil, é de certa forma surpreendente que esses filmes tenham conseguido versões digitais consideradas de qualidade, sobretudo para padrões comerciais, e circularem em espaços de exibição para um público mais amplo. Ainda assim, a relação direta entre o estado de conservação dos materiais originais em película cinematográfica e a qualidade das versões digitais, ainda parece algo distante desse mesmo público. Este trabalho, a partir da análise de digitalizações recentes de filmes brasileiros, visa entender em que medida esses processos vem contribuindo para uma maior conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio audiovisual brasileiro ou, ao invés disso, acaba por estimular certa alienação em relação aos suportes originais. |
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Bibliografia | BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A restauração de filmes no Brasil e a incorporação da tecnologia digital no século XXI. Tese de Doutorado, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2020. |